COLUNA

“Acho que sou bipolar”

A montanha-russa da vida nos faz entrar em loopings tão intensos que tentamos até nos autodiagnosticar. Mas será que esse "sobe e desce" não faz parte do trajeto?

Nos últimos 5 anos tenho vivido, da forma mais intensa, aquilo que Guimarães Rosa dizia sobre a vida: “o que ela quer da gente é coragem”. Coragem para apostar no amor, coragem para me expor, coragem para mudar de ideia, coragem para ganhar dinheiro e perder na mesma proporção… Essa coragem toda que sempre me rondou também trouxe o que o mesmo Guimarães disse, um verso antes: “o correr da vida embrulha tudo”.

Quanto mais coragem, mais meu estômago se embrulha, como uma montanha-russa que ora me dá adrenalina, ora me dá enjoo e sensação de morte. Como eu nunca fui de ficar olhando, sigo entrando na montanha-russa da vida a cada volta, mas com uma sensação de confusão tremenda. Com frequência, me pergunto: é só um momento difícil ou estou deprimida? Onde foi parar aquela alegria de ontem? Por que, durante o mesmo dia, tenho vontade de viver a 1000 quilômetros por hora e logo depois quero deitar e dormir o sono dos justos por uma eternidade? Isso é bipolaridade ou a vida é assim mesmo?

Primeiro, precisamos tirar a palavra “bipolaridade” do contexto do senso comum. De forma resumida, o transtorno bipolar, conforme descrito no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), é uma condição psiquiátrica caracterizada por mudanças extremas de humor, energia, atividade e capacidade de realizar as tarefas diárias. De acordo com sua categorização, apresenta comportamento que se alterna entre episódios de mania (aumento anormal e persistente de atividade ou energia), hipomania (semelhante ao episódio maníaco, mas menos grave) e depressão maior (humor deprimido, perda de prazer, fadiga e culpa).

Do ponto de vista psiquiátrico, trata-se de um transtorno que promove períodos de profundo sofrimento, e necessita de acompanhamento profissional e medicamentoso. Por isso, é preciso ter cuidado com o que chamamos de bipolaridade no dia a dia. Alterações de humor são comuns, mas se você acha que é bipolar, busque um diagnóstico médico. Por outro lado, se depois de ler tudo isso, você está chegando à conclusão de que não é bipolar, que tal repensar um pouco essa ideia de estabilidade que pregam por aí?

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Na vida, nada é permanente

Nosso corpo funciona por ciclos, a natureza segue na troca das 4 estações, e nada que você viveu um dia vai se repetir. De certa forma, essa sensação de montanha-russa pode vir da crença de que uma hora tudo será definitivo. Nos ensinam que, quando começarmos a trabalhar, tudo vai ficar bem. Que quando nos casarmos, seremos felizes para sempre. Que quando a aposentadoria vier, não haverá mais do que reclamar. Isso é ilusão. Todos os caminhos guardam suas pedras e aquilo que está te satisfazendo agora provavelmente vai te incomodar logo, logo.

Bagagens maiores

Quanto mais vivemos, mais experiências vamos acumulando. Aprendemos coisas que nos agradam e que nos desagradam, e isso vai nos dando um arcabouço mais rico para encarar a vida. Passamos a nomear novos sentimentos, compreender novos limites, buscar novos desafios, a nossa bagagem de compreensão do mundo fica maior. Adivinhem só: quanto mais bagagem, mais trabalho! Por isso dizem que a ignorância é uma benção: porque quando não sabemos muito sobre nós e sobre a vida, fica mais fácil passar pelos problemas de forma desapercebida. Mas, quanto mais sabemos, mais os detalhes nos afetam, pensamos sobre os fenômenos, sobre as pessoas, sobre os problemas e soluções. E é claro que isso nos faz alternar entre períodos de extrema felicidade e extremo sofrimento!

Uma viagem que vale a pena

Depois de voltas e voltas na montanha-russa, vamos acertando os ponteiros. É claro que esse passeio maluco precisa de acompanhamento! Compreender por que estamos felizes e tristes ao mesmo tempo e entender que, muitas vezes, sentimentos opostos podem andar juntos é fundamental para seguir os dias. De qualquer forma, saber que a vida não é linear pode ser libertador. Se estou extremamente triste, sei que isso vai passar, e me animo para o próximo passo. Se estou extremamente feliz, também sei que isso vai passar e posso aproveitar cada instante como se fosse o último. Talvez assim seja possível aproveitar um pouco mais da viagem…

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.