A Lei de Alienação Parental é uma medida aprovada para resguardar os direitos da criança e do adolescente, entretanto, muitas vezes, perpetua a violência contra a mulher, colocando em perigo o bem-estar de mães e filhos. A advogada familiarista com atuação sob perspectiva de gênero, Suelen Ferreira, a especialista em psicologia clínica com abordagem centrada na pessoa, Maria Gabriela de Almeida Sampaio Assis, e a conselheira federal de psicologia, Marina De Pol Poniwas, esclarecem o assunto, abordando a lei sob a perspectiva do gênero.
O que é alienação parental?
O projeto de lei, que culminou na aprovação da Lei 12.318/10, sobre alienação parental foi criado com base na tese da Síndrome de Alienação Parental (SAP) defendida pelo médico norte-americano Richard Gardner em 1985. De acordo com o estudo, a SAP é um distúrbio que acomete crianças devido às constantes interferências propositais feitas por um dos pais a fim de causar danos à convivência do outro.
Como “sintomas” da relação abusiva, surgem o apoio incondicional a um dos pais, rejeição ou hostilidade sem justificativa ao outro, inexistência de culpa e comportamentos fruto apenas de uma campanha de difamação. Ainda, o médico defende que o distúrbio aparece, quase sempre, em contexto de divórcio, alimentando uma interpretação perigosa da situação: condicionamento e vingança.
Em resumo, a indução negativa de um dos pais aliena a criança em relação ao outro. No entanto, a síndrome de alienação parental não é considerada uma doença ou distúrbio pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria (APA), e não consta na Classificação Internacional de Doenças (CID).
Mesmo assim, a Lei 12.318/10 foi aprovada e considera alienação parental: “a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente”. Diferentemente do conceito defendido por Gardner, a legislação entende que avós, outros familiares e tutores também podem praticar a alienação. Em vigor há 12 anos, as cláusulas estabelecem as principais formas de alienação, como comprová-las e as medidas a serem aplicadas aos responsáveis.
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A Lei de Alienação Parental
Em 2022, a Lei 12.318/10 foi modificada, retirando a suspensão da autoridade parental da lista de possíveis sanções aos responsáveis, bem como garantindo o direito à convivência. Outras alterações foram feitas no texto, contudo as principais recomendações de autarquias e movimentos sociais em prol dos direitos das mulheres, da criança e do adolescente não foram atendidas na modificação.
Para o Conselho Federal De Psicologia (CFP), a lei atual de alienação parental “privilegia a repressão ou punição como resposta aos impasses e conflitos vividos por mães e pais em litígio”, reduzindo-os à “vítima e algoz” – posiciona-se o órgão em nota técnica sobre a discussão.
Os decretos da lei também desconsideram pesquisas importantes sobre divórcio e guarda de filhos, além de outras temáticas importantes, como maternidade, paternidade responsável, parentalidade e equidade de gênero. Para a psicóloga Maria Gabriela, a situação é mais do que um fenômeno psicológico:
“A alienação parental diz muito sobre como as relações e vínculos familiares estão fragilizados e o quanto é necessário que nossa sociedade invista em parentalidade”.
Maria Gabriela
A conselheira federal Marina reforça: “deve-se envidar esforços na construção de políticas públicas voltadas à resolução de conflitos e não priorizar processos de judicialização das relações familiares”. Desde sua criação, a lei de alienação parental é apontada como perigosa aos direitos das mulheres, crianças e adolescentes por diversos órgãos nacionais, entre eles, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o Conselho Federal De Psicologia (CFP) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Os orgãos sitados se posicionam contrários à lei, bem como rechaçam os termos “alienação parental” e “síndrome de alienação parental”. O CNS recomenda aos seus profissionais o banimento de tais conceitos em laudos médicos sem que haja comprovação científica reconhecida em suas respectivas áreas – medicina, psicologia e serviço social – para sustentar o diagnóstico.
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O posicionamento é referente ao laudo biopsicossocial, muitas vezes, pedido durante um processo judicial para comprovar a alienação. Segundo Marina, ele pode ser tanto a prestação de um serviço psicológico, ou seja, um acompanhamento familiar, quanto uma avaliação psicológica sobre a situação da família em questão, e possui o objetivo de subsidiar as decisões judiciais. Assim, o laudo deve ser apresentado à Justiça seguindo o código de ética da psicologia.
Em relação aos riscos, o Conanda, o CFP e a advogada familiarista acreditam que a lei pode inibir a denúncia de abusos infantis, principalmente sexuais, uma vez que considera falsa acusação a suspeita que não for comprovada. Em outras palavras, a situação se inverte, punindo o denunciante com um processo criminal e mantendo o infante no ciclo de violência, em contato direto com o seu abusador. A afirmação, no entanto, se estende às mulheres.
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O risco para mulheres
Na prática, as sanções da Lei 12.318/10 são usadas “como estratégia de silenciamento diante de abusos” cometidos contra os filhos ou a mãe, afirma Suelen Ferreira. Frequentemente, a lei reforça estereótipos de gênero ao legitimar a desqualificação da mulher e a narrativa de vingança.
“Não são raros os casos em que, dentro dos processos judiciais, as mulheres são caracterizadas como superprotetoras, loucas, histéricas, mentirosas, ressentidas com o término do relacionamento, entre outras difamações”, afirma a advogada. Dessa forma, a lei serve como um instrumento de violência contra a mulher:
“As brechas acabam permitindo que a mulher seja violentada fisicamente, inclusive, potencializando o feminicídio. Além disso, abafam os casos de violência psicológica e outros abusos, derrubando por terra toda a proteção fornecida pela Lei Maria da Penha”.
Suelen Ferreira
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O contexto apresentado acima traz vários danos aos relacionamentos femininos. Segundo Maria Gabriela, a falsa acusação de alienação parental intensifica o sofrimento da mãe com a fragilização ou afastamento do vínculo com os filhos. Além disso, “muitas mulheres se sentem culpadas ou se privam de retomar suas vidas pessoais e profissionais após a separação”, afirma a profissional.
Como identificar a alienação parental
A Lei Lei 12.318/10 determina sete formas de praticar a alienação parental, qualificando-as como abuso moral contra a criança ou adolescente, ou seja, contrárias aos direitos resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Antes de apresentar os dizeres da lei, é preciso pontuar que o Conselho Federal de Psicologia critica o diagnóstico comparativo sugerido no decreto, pois ele é feito como um “checklist”, estabelecendo o que os pais devem ou não fazer. Para o orgão, tal abordagem viola o Código de Ética Profissional do Psicólogo, pois produz documentos sem fundamentação científica. Isso posto, abaixo, confira as formas de alienação parental presente na legislação.
Dificultar contato com os filhos
Não repassar telefonemas, evitar ou dificultar o encontro nos dias estipulados para a convivência são exemplos dessa categoria. Desse modo, a Justiça entende que há intuito de causar danos reais ao relacionamento. Segundo Suelen Ferreira, essa forma de alienação é referente aos pais.
Dificultar a autoridade parental sobre a criança
Essa forma “tem a ver com a dificuldade em exercer o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação aos filhos menores e não emancipados, por exemplo: fazer o filho tomar partido de um lado, tornando difícil para o outro ter voz ativa na sua educação e criação”, explica a advogada familiarista.
Campanha de desqualificação de conduta
Transforma o pai ou a mãe em vilão ou vilã da história, responsável pela separação, pelas ausências ou por outros problemas relacionados à criança. Um dos lados fala mal do outro, pejorativamente, para enfraquecer seu laço com o filho.
Dificultar o direito de convivência familiar
O direito à convivência vai além da família nuclear, “abrange tanto o genitor ‘alienado’ quanto pode se estender aos avós ou tios, por exemplo”, esclarece Suelen.
Omitir informações da vida da criança
Deixar de contar problemas de saúde física e mental ou qualquer outra informação importante sobre a criança. Seja praticada pela mãe ou pelo pai, a omissão é considerada alienação.
Apresentar falsa denúncia
Na prática, denúncias que não se sustentam ao final do processo são consideradas intencionais para dificultar ainda mais a convivência, e, portanto, um tipo de alienação parental. Assim, o denunciante poderá sofrer desde advertência até processo criminal pela violência moral contra a criança ou adolescente.
Mudar de endereço sem justificativa
Para a Justiça, a mudança sem justificativa tem a exclusiva intenção de evitar o contado da criança ou adolescente com o outro genitor. Assim, é preciso apresentar motivos profissionais, financeiros, de saúde, criminais ou qualquer outro que sustente a decisão.
Em relação a lista acima, Suelen chama atenção para os dois primeiros comportamentos: a dificuldade de contato e de exercer a autoridade parental. De acordo com a advogada, é muito comum a convivência entre pai e filho enfraquecer, pois, muitas vezes, o genitor masculino opta pela ausência. Nesse caso, não há uma interferência da mãe, a própria criança rejeita a convivência. No entanto, há um grande perigo de a mulher ser acusada de alienação.
Divórcio responsável: o que fazer e o que evitar
A separação dos pais desencadeia um processo de luto para os filhos, “exigindo uma readaptação de todos os membros para as novas dinâmicas estabelecidas”, explica Maria Gabriela. Em um primeiro momento, a criança pode apresentar um comportamento mais introspectivo ou de oposição, dificuldade para expressar emoções, alterações no sono e na alimentação, sentimentos de desamparo e solidão, dificuldade de concentração e aprendizagem, evitação do convívio social e maior nível de ansiedade.
A acusação de alienação parental torna a separação ainda mais delicada. Assim, é preciso uma minunciosa avaliação para não confundir ações protetivas com abuso psicológico por parte do genitor que está atuando em defesa da criança ou do adolescente. Acompanhe as recomendações da advogada familiarista!
Direitos de guarda em dia
No âmbito jurídico, Suelen indica, antes de mais nada, regularizar os direitos de guarda durante o divórcio. Para isso, procure um advogado especialista em direito de família ou a Defensoria Pública. Em casa, converse honestamente com os filhos sobre como será a nova dinâmica da família. Segundo Maria Gabriela, rotinas e hábitos ajudam as crianças a lidarem com a separação.
Procure ajuda profissional
O auxílio de um profissional é importante durante todo o processo. “Dê preferência ao especialista em direito das famílias e que atue sob a perspectiva de gênero”, recomenda Suelen. Desse modo, é possível minimizar os riscos de falsas acusões de alienação parental.
Junte provas
Segundo a advogada, não existe uma forma definitiva de comprovar a alienação. Entretanto, prints das conversas em aplicativos de mensagem, por exemplo, podem mostrar uma desqualificação de conduta, a ausência do parente no dia estipulado para a convivência ou em outra data importante para a criança. A prática é legal, aceita judicialmente, e ajudará a sustentar a sua versão da situação.
Para além da alienação, existem comportamentos que devem ser evitados entre as partes, visando o bem-estar da criança e do adolescente. Maria Gabriela indica não atribuir ao filho o papel de informante ou de autor de pedidos, pois isso confunde o seu papel na estrutura familiar. Outra recomendação é ter em mente e refletir sempre sobre quem é o adulto da relação. Segundo a especialista, o adulto deve auxiliar o infante no enfrentamento das novas situações.
Para pensar: vídeos sobre alienação parental
A alienação parental é um tema muito presente no universo que envolve a parentalidade e o divórcio. Logo, é importante acompanhar as discussões atuais e os desdobramentos da lei. Abaixo, confira um pouco mais sobre os riscos e consequências dessa situação para os grupos citados ao longo da matéria.
Alterações na Lei
Em maio de 2022, foi sancionada a Lei 14.340, que modifica a lei de alienação parental de 2010. Entre as principais alterações, estão a retirada da suspensão de autoridade parental como medida adotada em caso de comprovada alienação, e incluída a garantia de visitação assistida ao genitor acusado. Assista ao vídeo para conhecer outras mudanças.
Os perigos da alienação parental
Nesse vídeo, você confere um pouco mais sobre os perigos e fragilidades de uma lei criada sem base científica reconhecida. Entre eles, estão o atestado biopsicossocial emitido por psicólogos e agentes do serviço social, bem como a prioridade jurídica dada às acusações de alienação frente as denúncia de abuso sexual.
Exemplos de alienação parental
Confira exemplos comuns que podem ser interpretados como favoráveis à acusação. Entretanto, atenção, a Lei específica que precisa haver intenção de interferir nesse relacionamento, portanto nem sempre tais comportamentos serão prova de alienação parental.
Como a alienação afeta a família
O divórcio é um momento extremamente difícil para a família. De acordo com a especialista do vídeo, as crianças podem ter desde regressão de comportamento, como fazer xixi na cama até ansiedade e depressão. Veja como a alienação parental pode intensificar essas e outras consequências.
Como visto, a alienação parental afeta os filhos e, muitas vezes, é usada como uma ferramenta de coerção contra as mulheres. Para o bem-estar da família e das crianças, vale considerar uma guarda compartilhada (a modalidade mais incentivada pela Legislação Brasileira). Entretanto, para resguardar os menores, é possível entrar na justiça e pedir a guarda unilateral.
Fernanda Paixão
Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.