Dicas de Mulher
Indiferença, questionamentos excessivos e constrangimento são alguns dos comportamentos que caracterizam o assédio moral no trabalho. A toxicidade presente nos relacionamentos profissionais adoece e até mata mulheres brasileiras. A pesquisadora e palestrante sobre qualidade de vida no trabalho Karina Uchôa e a especialista em saúde mental Bianca Mayumi explicam as consequências do assédio moral no trabalho para as mulheres.
O que é assédio moral no trabalho?
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) define o assédio moral como a “exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada”. É ainda “uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho”.
A pesquisadora Karina Uchôa vê o assédio como “uma violência silenciosa do cotidiano”. São atos, palavras e comportamentos que diminuem o profissional ao ponto de adoecê-lo. De acordo com o mais recente Mapa do Assédio divulgado pela KPMG, 42% dos brasileiros entrevistados afirmaram sofrer ou já ter sofrido assédio moral ou psicológico, a maioria no ambiente de trabalho (33%). Apenas 20% denunciaram seus agressores.
Em 2022, o TST recebeu em média 6,4 mil ações de assédio moral no trabalho por mês. Ao todo, foram 77,5 mil ações ajuizadas no ano, crescimento de 50% em relação ao ano anterior, que registrou 52 mil casos. A região Sudeste (77%) lidera os casos de violência no trabalho, no estudo da KPMG. São Paulo também concentrou a maior demanda, que corresponde a 57%, segundo o relatório da companhia. “Rio de Janeiro ocupa o segundo lugar e Minas Gerais o terceiro.
A violência ocorre com homens e mulheres, mas elas são mais atingidas. Sob um recorte de gênero, o Instituto Patrícia Galvão identificou que as mulheres (92%) sofrem mais situações de constrangimento e assédio do que homens. Desse levantamento, 33% dos casos de humilhação tiveram mulheres como alvos, 40% já foram xingadas e têm seus trabalhos supervisionados excessivamente, 37% frequentemente não têm suas opiniões levadas em consideração. Os mesmos pontos não superam 16% entre os homens.
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“A justiça reconhece que essas ações negativas são frequentes, mas já temos casos em que uma atitude constrangedora desproporcional implica em um impacto psicológico irreversível, podendo gerar inclusive incapacidade laboral”, afirma Karina Uchôa.
Tipos de assédio moral no trabalho
A violência no ambiente de trabalho pode ser cometida por lideranças, superiores, colegas de mesma hierarquia, até mesmo por colaboradores subordinados. São todos aqueles que praticam o ato de assediar moralmente o outro ou que se omitem ao ver tal situação ocorrer.
Com base nos seus agentes e abrangência, o Tribunal Superior do Trabalho classificou a violência em seis tipos de assédio moral. Veja a seguir quais são:
- Interpessoal: o assédio moral interpessoal no trabalho ocorre de forma direta, entre pessoas de uma mesma equipe. O único objetivo é “prejudicar ou eliminar o profissional na relação com a equipe”, define o TST. A dinâmica de violência psicológica classifica o assédio interpessoal em mais quatro grupos, vistos a seguir.
- Vertical descendente: sua principal característica é a hierarquia. No assédio moral vertical descendente, superiores, coordenadores e outros níveis de liderança usam de sua posição para colocar o colaborador subordinado em situações desconfortáveis, a fim de puni-lo ou demonstrar poder.
- Vertical ascendente: nesta classificação, a violência ocorre em relação aos chefes. A equipe ou pessoa subordinada constrange, questiona em demasia ou mesmo desobedece o novo gestor por não vê-lo como uma autoridade, por exemplo. A hierarquia em relação à atividade, neste caso, é desrespeitada.
- Assédio moral horizontal: situação de violência entre colaboradores de mesmo nível hierárquico. Para o TST, é motivado por disputas e competições. Sua principal característica é o bullying – quando a vida pessoal e outras características também são apontadas para diminuir o outro.
- Assédio moral misto: neste caso, ocorre tanto o assédio moral vertical quanto o horizontal. Tal característica estimula a ação de outros colaboradores e lideranças, agravando ainda mais a violência e tornando-a coletiva.
- Institucional: ocorre quando a cultura organizacional estimula o ambiente de trabalho hostil, omitindo-se ante a situação. “O assediador sempre será uma pessoa e um agente da violência. Instituições são feitas de pessoas; logo, por mais que exista uma contracultura organizacional, ela é exercida por representantes da instituição”, explica a pesquisadora.
A violência psicológica no ambiente profissional se apresenta de várias formas. Nem sempre o próprio agressor a reconhece como tal. Veja a seguir como reconhecê-las na rotina de trabalho presencial e home office, além de como denunciá-la.
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O que caracteriza assédio moral no trabalho?
Segundo Bianca Mayumi, os motivos que levam um profissional a cometer assédio moral são diversos. “Cada pessoa pode tentar dar uma justificativa diferente para legitimar esse comportamento, ainda que nada justifique esse tipo de ação”.
O Tribunal Superior do Trabalho mapeou as principais causas pessoais e ambientais: abuso do poder diretivo; busca incessante do cumprimento de metas; cultura autoritária; despreparo do chefe para o gerenciamento de pessoas; rivalidade no ambiente de trabalho e inveja.
Para a Justiça, a principal característica do assédio está na frequência com que as situações se repetem na rotina do trabalhador. A ação isolada pode configurar dano moral. “O dano moral é uma violação da honra ou imagem de alguém. O assédio moral é uma ação no ambiente de trabalho e implica em uma jornada de atos ofensivos”, afirma a advogada.
Para ilustrar melhor as possíveis situações de violência direta e indireta, as especialistas e o TST elencaram situações comuns em casos de assédio moral no trabalho. Veja a seguir quais são:
- Aspereza ao tratar o colega independentemente da posição que ocupa;
- Gritar ou falar de forma desrespeitosa;
- Isolamento físico ou social;
- Sobrecarga de atividades ou ócio proposital;
- Ignorar propositalmente orientações e demandas atribuídas por superiores ou colegas;
- Ignorar a presença do colaborador assediado;
- Vigilância excessiva;
- Expor negativamente outro funcionário da mesma função hierárquica;
- Limitar o número de vezes que o colaborador vai ao banheiro e monitorar o tempo que ele permanece;
- Retirar cargos e funções sem motivo justo;
- Delegar tarefas impossíveis de serem cumpridas ou determinar prazos incompatíveis para finalização de um trabalho;
- Retirar a autonomia do colaborador ou contestar, a todo o momento, suas decisões;
- Cultura da empresa que endossa comportamentos abusivos, hostis e violentos contra seus funcionários de modo geral.
Mesmo que a Justiça considere a frequência para caracterizar assédio moral, Karina afirma que há casos em que a periodicidade é dispensável. “(A violência) pode ser reconhecida desde que possua outros elementos agravantes”. Um exemplo seria o constrangimento de um líder em uma reunião, ao ponto de fazê-lo perder a capacidade de liderar.
Como denunciar o assédio moral no trabalho?
Saber a quem recorrer é essencial para ser assertiva na denúncia. A seguir, veja o que fazer para impedir que novas violências ocorram com você ou um colega no ambiente de trabalho.
- Identifique o setor responsável: os encarregados em instituições públicas e privadas podem ser o setor de gestão de pessoas, recursos humanos (RH) ou o compliance. Essa equipe toma providências em casos de desrespeito às normas da empresa, incluindo assédio e preconceito.
- Use os canais de denúncia como alternativa: “quando esse setor (gestão de pessoas ou RH) não está estruturado para receber essas demandas, pela falta de preparo dos profissionais que atuam na área, pode-se utilizar o canal de denúncias da empresa para buscar uma apuração do ato”, afirma Karina.
- Procure ajuda profissional para registrar a denúncia: “se essas alternativas forem limitadas, buscar uma advogada é fundamental para reconhecer essa situação judicialmente”, ressalta a especialista.
- Em caso de assédio coletivo: Karina indica procurar o Ministério Público do Trabalho para apresentar a denúncia. “O MPT realiza um trabalho muito robusto para garantir as relações de trabalho de forma ética”, afirma.
- Quando o assédio moral for institucional: “as instituições públicas podem ser denunciadas pelos canais de denúncia ou equipes de compliance da empresa e órgão, pelos canais do Ministério Público do Trabalho quando tratar-se de direitos coletivos e ainda através dos sindicatos de categoria ou classe”.
Embora tenha alto potencial de dano, o assédio moral não é crime no Brasil. O tema é abordado no Projeto de Lei 1521/2019, no Senado Federal. O PL tipifica o crime de assédio moral, incluindo a regulamentação no artigo 203 do Código Penal. Entretanto, a proposta se restringe ao assédio moral vertical. Assim, a violência no trabalho é apenas um ato ilícito e o processo se restringe ao âmbito civil.
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Como comprovar o assédio moral no trabalho?
Denunciar pode ser difícil, principalmente quando a vítima é uma mulher. “Muitas mulheres se sentem coagidas e intimidadas para recorrerem às autoridades responsáveis no ambiente de trabalho, como o RH”, afirma Bianca. Mas “o importante é denunciar”, ressalta Karina. “O assédio moral mata por dentro, precisa ser prevenido e combatido quando necessário”. Para se sentir mais segura, a mulher pode apresentar o que tiver para comprovar a violência psicológica. Veja a seguir:
- O que apresentar como provas: documentos, mensagens e gravações de áudio e/ou vídeo podem, de acordo com a advogada, servir como prova de assédio moral.
- Tenha testemunhas: qualquer pessoa que tenha presenciado a violência psicológica ou vivenciado o assédio coletivo pode fortalecer a denúncia junto à equipe responsável pelo assunto.
Denúncias feitas com o intuito de prejudicar o suposto agressor podem ter consequências. “Caso seja provado que a pessoa produziu provas falsas sobre o assédio, o denunciante responderá na forma da lei pelas atitudes proferidas contra a pessoa, cabendo inclusive indenização proporcional ao dano causado”, explica a profissional.
Quais as consequências do assédio moral no trabalho?
A psicóloga Bianca Mayumi alerta para os sinais. “É impossível algo tão grave quanto um assédio moral no trabalho acontecer e isso não impactar minimamente no funcionamento mental e social. No primeiro momento, o assédio pode parecer algo pequeno” – muitas mulheres desconsideram a severidade do caso. Entretanto, os impactos podem atingir a vida pessoal do colaborador, causando ansiedade ou até depressão. Veja as consequências:
- Isolamento;
- Baixa autoestima;
- Má qualidade do sono e alimentação;
- Dificuldade em manter atividades cotidianas;
- Baixo desempenho e concentração;
- Falta motivação no trabalho;
- Doenças psicossomáticas;
- Ansiedade;
- Depressão;
Dada a gravidade da situação, é necessário não só denunciar, mas, como disse Bianca, saber nomear o que está ocorrendo para tomar as medidas necessárias. A assistência psicológica é essencial, pois te ajudará a lidar com as consequências da violência. “É sempre importante buscar ajuda nesses casos, para compreender que você não está sozinha nesse momento”.
Como lidar com o assédio moral no trabalho?
Não existe uma forma correta de se portar diante de um assédio moral. Bianca pontua que cada mulher lida de maneira diferente, até mesmo com as consequências citadas anteriormente. Entretanto, há meios que tornam esse momento um pouco mais fácil.
- Ter uma rede de apoio: “para as vítimas é importante a mobilização da rede de apoio. É uma situação muito delicada e elas se sentirem apoiadas e asseguradas é fundamental”, diz a psicóloga.
- Empresas engajadas contra a violência: a criação do compliance ou de um canal aberto para denúncias é fundamental para combater o assédio moral no trabalho. “Cabe às empresas se questionarem se estão criando um ambiente favorável para as vítimas se sentirem acolhidas e compartilharem tais violências”.
Ter qualidade de vida no trabalho é um direito do trabalhador e um dever de todas as empresas, inclusive companhias que buscam certificação ESG. A governança responsável deve repudiar violências e preconceitos como etarismo, misoginia e racismo no ambiente de trabalho.
Fernanda Paixão
Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.