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As identidades de gênero são múltiplas, porém a experiência é individual, ou seja, cada pessoa passa por um processo de identificação e reconhecimento de si. Pesquisar sobre o assunto é uma forma de autoconhecimento, porém também é uma via para conhecer o outro, desenvolver empatia e olhar para o mundo. O Dicas de Mulher conversou com Camila Monteiro, pesquisadora de gênero, professora universitária e advogada, Ana Paula, bigênero e bombeira civil, e Mime Rezende, licenciada em história, desenvolvedora de jogos e bigênero, que compartilharam histórias e conhecimentos sobre uma identidade pouco abordada socialmente. Acompanhe a matéria para entender o que é ser bigênero.
O que é bigênero?
De acordo com Camila Monteiro, “o bigênero é alguém que se identifica com características inerentes ao feminino e ao masculino”, ou com dois gêneros diferentes dos socialmente estabelecidos. Por exemplo, uma pessoa pode ser demigênero e não binária. As identidades podem coexistir, variar em intensidade e apresentar ou não fluidez. Como relata Mime Rezende:
No meu caso, tenho uma feminilidade bem aflorada. Sempre tive ciência disso. Desde a minha infância, gostava de roupas femininas e de brincar de bonecas […] Embora eu me sinta uma completa garotinha, e eu ame isso, eu gosto de ter um corpo masculino. – Mime Rezende
A experiência de Ana Paula é perpassada pela transitoriedade: “tem época que transito mais no masculino, tanto que a voz fica mais grave, há instintos e comportamentos. Além disso, existem adjetivos femininos que me deixam desconfortáveis”. Para marcar a fluidez entre os dois gêneros, algumas pessoas se identificam como bigênero-fluído.
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Bandeira bigênero
Na década de 90, pessoas da comunidade transgênero já empregavam o termo bigênero. Portanto, embora não seja muito conhecido socialmente, o conceito não nasceu ontem, inclusive, no decorrer das décadas, teve pelo menos 3 bandeiras. A mais conhecida foi criada por Sunny, uma usuária do Tumblr – exposta nas redes sociais por transfobia e abuso.
Além das atitudes de Sunny, a bandeira antiga possui 7 faixas muito centralizadas no masculino e no feminino. Por isso, somando todas as polêmicas, a comunidade bigênero está usando uma nova bandeira com 5 faixas mais inclusivas:
- Rosa: representando o gênero feminino.
- Amarela: representando o gênero não binário.
- Branca: representando o agênero.
- Roxa: representando o masculino e o feminino.
- Azul: representando o masculino.
A bandeira criada por Natalie Phox também é utilizada pela comunidade bigênero. Entretanto, ela está mais relacionada ao intersexo (pessoas que nascem com características do gênero masculino e do feminino). Por isso, o mais indicado é adotar a bandeira de 5 faixas.
Símbolo bigênero
Há mais de um símbolo para representar uma pessoa bigênero, visto que essa identidade não se limita ao masculino e ao feminino. Observe os vetores acima e as explicações abaixo para entender quando usar cada um:
- Masculino e feminino: pessoas que se identificam tanto como homem quanto como mulher, ou seja, você pode se identificar com o sexo biológico de nascimento e com outro, não se encaixando no padrão cisgênero.
- Terceiro gênero e demiboy: o terceiro gênero indica que a pessoa não se identifica com o masculino e com o feminino. O demiboy indica que a pessoa se identifica parcialmente com o masculino.
- Andrógino e neutro: os andróginos apresentam características do masculino e do feminino com ambiguidades que podem ou não estarem refletidas na identidade. O gênero neutro indica que a pessoa renuncia os moldes e padrões de gêneros.
Você acabou de conferir alguns exemplos de bigênero. Entretanto, não existe uma regra para as combinações. O prefixo bi apenas determina que sejam dois, independentemente de quais.
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Diferenças entre gênero, sexo e orientação sexual
Segundo Camila, “o sexo tem relação às questões biológicas e ao sistema reprodutor. A orientação sexual diz respeito aos sentimentos, à atração e à forma de viver o amor. O gênero, por sua vez, é uma construção social”, ou seja, o que a sociedade espera de uma pessoa a partir do sexo biológico.
Infelizmente, os padrões binários reforçam desigualdades e perpetuam violências. Atualmente, há uma discussão maior sobre as identidades de gênero: como a pessoa se percebe, independentemente do sexo biológico. Além disso, é importante ressaltar que ser bigênero não determina a orientação sexual, por exemplo, bissexualidade, pansexualidade, aroace e muitas outras.
Como saber se você é uma pessoa bigênero?
No geral, o mundo mostra uma caixinha binária: você é homem ou mulher. O que fazer com a sensação de não pertencimento? O primeiro passo é pesquisar sobre as diversas identidades. Abaixo, confira algumas características que uma pessoa bigênero costuma experienciar:
- Não se enquadra em estereótipos de gênero.
- Identifica-se com o gênero feminino e com o masculino.
- Identifica-se com dois gêneros distintos.
- Em dias diferentes, transita entre dois gêneros.
- Se sente limitado ao se dizer “homem” ou “mulher”.
Procure conhecer a comunidade bigênero, conversar com pessoas e entender o processo de identificação de cada uma. Nas redes sociais e plataformas digitais, facilmente você encontrará grupos ou fóruns sobre o assunto.
Dúvidas sobre ser bigênero
Algumas identidades de gênero são mais conhecidas, estão presentes fortemente na comunidade LGBTQIA+ e são fáceis de conceituar. Outras, ainda precisam protagonizar mais espaços, como é o caso de bigênero. Abaixo, esclareça dúvidas sobre o assunto:
Dicas de Mulher – Você é bissexual?
Ana Paula Ferreira – A maioria das pessoas acha que sou bissexual, orientação sexual é uma coisa, identidade de gênero é outra completamente diferente.
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Você sempre soube que era bigênero?
Mime Rezende – Embora eu tivesse ciência desde criança sobre esse meu sentimento de ser feminino e masculino ao mesmo tempo, e desde pequeno já ter adotado o estilo andrógeno, só conheci o conceito “bigênero” ano passado. Particularmente, nunca fui muito de me importar com esse tipo de coisa, afinal não passam de rótulos e seres humanos são muito mais que isso.
Existe a prioridade de um gênero?
Camila Monteiro – A pessoa bigênero se identifica com as características de dois gêneros. Não há, necessariamente, a prevalência de um deles.
No processo de autoconhecimento, a psicoterapia ajuda bastante. Não tenha pressa e não se compare com outras pessoas. O mais importante é que você se sentir bem e em casa no seu corpo.
Vídeos e relatos sobre a bigênero
Falar de identificação é falar de pluralidade! Abaixo confira uma seleção de vídeos com relatos, dúvidas esclarecidas e reflexões.
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Caroline Stempniak
Redatora, pesquisadora feminista e futura psicóloga. Gosta de falar de coisa que mexe com a gente e de mexer com gente. Apaixonada pela escrita e pelas diferentes formas de existência. Busca viver e promover a autenticidade de ser.