COLUNA

Eu nunca conheci uma mulher totalmente relaxada

Dicas de Mulher

Eu nunca conheci uma mulher totalmente relaxada.
Mulheres bem-sucedidas? Sim. Produtivas? Muitas. Mulheres ansiosas e amedrontadas e cheias de desculpas? Milhares delas. Mas mulheres relaxadas, tranquilas? Que não têm medo de ocupar seu espaço no mundo? Que priorizam descanso, prazer e diversão? Mulheres que dão a si mesmas permissão incondicional para relaxar – sem culpas, sem desculpas, sem sentir que elas precisam conquistar tal descanso? Não tenho certeza se já conheci uma mulher assim. Mas eu gostaria de me tornar uma. Eu gostaria que todas nós nos tornássemos mulheres assim.
(Nicola Jane Hobbs)

A citação acima é uma tradução livre de um post de Nicola Jane Hobbs no Instagram, ao qual eu cheguei por meio de um post da escritora Su Amélia. Assim como elas, eu nunca conheci uma mulher totalmente relaxada: estamos sempre alertas, por um ou outro motivo.

Alertas, por exemplo, por termos medo de andar sozinhas à noite. Ou por não nos sentirmos seguras ao entrar em um carro chamado por aplicativo. Alertas pelo medo do que possam fazer com nosso corpo quando baixamos a guarda. Eu sinto uma pontada de inveja quando vejo um homem dormindo profundamente em um ônibus de viagem, por exemplo. Não consigo. Mesmo muito cansada, meu sono é sempre superficial, pelo pavor que eu tenho de que um estranho toque em mim enquanto durmo.

Estamos sempre muito alertas aos nossos corpos. Se estamos bem vestidas, se estamos dentro do que se julga aceitável socialmente. Mulheres se desculpam quando a casa não está perfeitamente arrumada e por não estarem no seu melhor humor. Pelo comportamento dos filhos. Por estarem cansadas ou doentes. Por não terem conseguido tempo para passar um pouquinho de blush e rímel. Quando temos um dia de folga, “arrumamos o que fazer”. Afinal, que direito temos de descansar, quando talvez aquele cantinho no teto da lavanderia que ninguém nem vê está tão empoeirado? Que direito temos de parar se há roupas para passar, um curso para fazer, almoço ou marmita para preparar? A lista de tarefas sempre surge, gigantesca, piscando, para nos arrastar do conforto do sofá. E assim nos responsabilizamos pelo que conseguimos e pelo que não conseguimos fazer.

Muitas vezes as mulheres que moram com homens abraçam entre suas atividades tudo aquilo que não foi feito porque um homem priorizou seu descanso ou lazer. Aliás, é bem frequente que, para que um homem se priorize, uma mulher não possa se priorizar. Isso porque fomos mergulhadas em um caldo de cultura (machista) que diz que, se algo tem que ser feito, eu, mulher, devo fazer agora, antes de qualquer descanso ou diversão. Não pode ficar para mais tarde. Só que os homens foram educados de uma forma um pouco diferente: o descanso tem espaço. Pode ficar para depois, outra pessoa pode fazer.

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Muitas vezes, uma mulher.

Mesmo morando com outras mulheres ou sozinhas, é difícil desconectar dessa visão. É como se o nosso “valor” enquanto pessoas viesse não de nós mesmas, mas do quanto somos capazes de cuidar e organizar. A mulher parece só se completar no servir: à casa, aos filhos, a um companheiro, ao trabalho, ao mundo ao redor. É sempre um olhar para o outro, para fora. Quase nunca há permissão para que esse olhar recaia sobre nós mesmas.

Relaxar é, então, para nós, um longo aprendizado. Uma conquista, um ato revolucionário. Porque as tarefas nunca acabam. Não existe um momento tranquilo, em que não haja mais nada para fazer e seja, enfim, possível descansar ou se divertir. Precisamos instaurar a pausa como regra, como imperativo, como prioridade. A pausa como necessidade inclusive para que o restante das atividades seja realizada a contento.

Além disso, a pausa é fundamental para a gente se entender. Como mulheres, como pessoas. Refletir sobre o que gostamos e o que não gostamos, entender nossos próprios anseios. Na correria de uma atividade para outra é impossível olhar para dentro – e quem somos nós sem olhar para o nosso próprio universo? Quem somos nós se olharmos apenas para as necessidades dos outros em volta?

Relaxar vem do latim RELAXARE, que quer dizer “afrouxar, desapertar”. A palavra é formada pelo intensificador RE mais LAXARE, “soltar, afrouxar”. Relaxar, assim, é se permitir soltar.

Porém, é lógico que, para que isso aconteça, nós precisamos de ajuda. Muitas vezes já contamos com outras mulheres para criar espaços de relaxamento: nós nos ajudamos umas às outras. Só que isso não será o suficiente se os homens não assumirem as próprias responsabilidades e abrirem mão de um pouco de espaço e descanso. Tem coisas que precisam ser feitas: e, se elas forem divididas, todo mundo faz um pouquinho e descansa um pouquinho. O peso se distribui sobre os ombros.

Também é importante entender que não basta dizer “relaxa” para uma mulher automaticamente conseguir relaxar. Não se supera uma educação de anos (décadas, séculos) com palavras e boas intenções. É um processo. É uma tomada de consciência. Precisamos falar sobre isso com frequência e, homens e mulheres, precisamos nos exercitar não só na divisão das atividades da vida, mas no equilíbrio do peso das responsabilidades. Enquanto dissermos “cadê a mãe dessa criança?” ao ver uma criança fazendo bagunça, “parece que não tem mulher nessa casa” ao ver uma casa bagunçada, entre outras expressões que puxam mais para a mulher a responsabilidade sobre tarefas aparentemente simples do dia a dia, estaremos mantendo não só as tarefas como também a carga mental relacionada a elas pesando mais de um dos lados da balança.

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Eu gostaria muito que o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ou, melhor, Dia Internacional da Luta Feminina, fosse, além de um momento de reavivar nossas lutas por igualdade, um dia em que a gente pudesse parar, sem cobranças, e olhar apenas para nós mesmas. Um dia em que a ideologia fosse suspensa e em que priorizar prazer, diversão e descanso não gerasse tanta culpa.

Para mim, essa não é uma data para parabéns ou presentes, nem para ressaltar a “força” ou a “sensibilidade” das mulheres. Isso são só palavras, gestos vazios. Se você, homem, realmente quer presentear uma mulher nesse dia, comece refletindo sobre o seu papel em relação à carga de estresse que ela carrega. Comece assumindo tarefas – na casa, talvez – para entender o quanto de tempo e espaço mental tais tarefas tomam. Comece colaborando para que essa mulher tenha um momento de paz.

Para nós, mulheres, desejo descanso. Que, neste ano, uma de nossas buscas seja pela pausa consciente, sem culpa, e pelo aprendizado do prazer.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três. Escrevo a newsletter Versilibrista.