Dicas de Mulher
Não saímos ilesos ao assistir o documentário brasileiro “Quanto tempo o tempo tem”. Ele muda a nossa percepção do tempo. O filme, dirigido por Adriana Dutra e Walter Carrasco, mostra como diferentes sociedades lidam com os ciclos do tempo (horas, dias, meses e anos) e como, na contemporaneidade, tudo sugere velocidade e urgência, gerando o que vem sendo chamado de pobreza de tempo.
Já explico melhor esse conceito.
O documentário é de 2014. Mas, poderia ter sido produzido ainda em 1980, quando Mário Quintana escreveu um poema sobre a condição humana e a passagem inevitável do tempo:
“Quando se vê, já são 6 horas.
Quando se vê, já é 6ª-feira.
Quando se vê, passaram 60 anos”
A sensação de que o tempo passa muito rápido nos faz repetir, continuamente, frases semelhantes a essas do grande poeta.
O modo como consumimos o tempo (sim, o tempo se transformou em mercadoria) pode passar por algumas escolhas individuais, mas é uma ilusão acharmos que temos tantas alternativas. Escolhemos entre as possibilidades que a sociedade oferece. Ou seja, somos reféns do “tempo social”, medido pelo calendário/relógio. As obrigações, o trabalho, a escola, o transporte e tudo o que circunda essas funções – como o tempo gasto com alimentação, idas ao supermercado, compra de roupas e calçados, etc – fazem-nos reféns do tempo social.
O tempo que sobra para coisas como o descanso e o lazer, depois que cumprimos todas essas “tarefas”, pode ser maior ou menor. E depende de muitos fatores, como, por exemplo, renda, gênero, acesso às tecnologias, local de moradia, acesso à saúde e educação de qualidade, número de filhos, etc. Quanto menor é o tempo que não usamos com as “obrigações”, maior é a nossa pobreza de tempo.
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Não precisamos ser estudiosos sobre o tema para sabermos, na carne viva, que a renda é a maior influenciadora no modo como consumimos o tempo. Em segundo lugar, o gênero. Ou seja, as mulheres de baixa renda são as que mais convivem com a pobreza de tempo. A desigualdade econômica e a desigualdade de gênero, quando associadas, aumentam a percepção da falta de tempo a ser usado para dormir, conviver com a família, ir ao cinema, fazer atividade física, dormir, cortar o cabelo…
Na atual sociedade, marcada pela desigualdade de gênero e pelo machismo, não existe descanso para as mulheres de baixa renda (na maior parte das vezes, pretas). Mesmo tendo um trabalho remunerado, à noite e aos finais de semana, elas precisam se ocupar das tarefas domésticas, dos cuidados com familiares e com os filhos, quando os tem. É a chamada dupla jornada feminina.
Mal remuneradas no trabalho e não remuneradas nessas outras tarefas, essas mulheres são pobres de tempo inclusive para estudar ou para procurar melhores oportunidades de trabalho. Nesse círculo vicioso, infelizmente, muitas mulheres adoecem física e emocionalmente, consumindo ainda mais de sua renda e de seu tempo livre.
Para que esse cenário sofra mudanças, muitas ações podem ser operadas. Da parte do Estado, é preciso que haja a oferta de políticas públicas que garantam melhores serviços de saúde e educação para as mulheres, de preferência em locais próximos às suas residências. Bem como transporte público de qualidade; a garantia de que a remuneração das mulheres seja igual à dos homens quando estes ocupam as mesmas funções, e etc.
Da nossa parte, mulheres, precisamos nos fortalecer (empoderar) e lutar diariamente para que a igualdade de gênero seja real, e não apenas uma frase bonita. Esses são alguns passos, não todos obviamente, para diminuir a pobreza de tempo das mulheres e para que possamos ver o “futuro não repetir o passado”.
Doutora em História, mestra em Educação e graduada em Pedagogia. Professora aposentada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mantém-se na luta cotidiana pela educação de qualidade, democrática e para todos.