CANVA
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“Você acredita em mulheres?” é o nome do último episódio do podcast ‘Afetos’, da Gabi Oliveira e Karina Vieira. Dessa vez, o tema é sobre uma mulher alertar outra sobre seu companheiro ou sua companheira ter histórico de traição, abusos ou mentiras. Diante disso, alguns questionamentos foram: como você lida com essas informações? Você contaria a alguém que seu parceiro ou sua parceira tem um histórico ruim? Até quando um comportamento ruim pode estigmatizar uma pessoa?
Também recentemente, a cantora Wanessa Camargo anunciou que está novamente com Dado Dolabella. Eles namoraram entre os anos 2000 e 2004. A notícia causou burburinho principalmente nas redes sociais, não porque é mais um namoro entre famosos, ou por voltarem a se relacionar, mas sim porque o ator tem histórico de ter sido abusivo na época.
Esses dois “eventos”, se assim posso chamar, têm me feito pensar muito em até quando uma pessoa pode ser declarada abusiva ou violenta. Um comportamento tóxico é uma sentença que dura para sempre? Ou seja, você sempre será uma pessoa “ruim”, mesmo que possa ter sido uma situação isolada? Obviamente, não tenho respostas definitivas, nem quero ter.
No podcast mencionado, uma das participantes fala que já atirou um copo em meio a uma briga com um ex-companheiro, mas que foi um fato isolado. Ela nunca mais repetiu esse ato em outras relações e gostaria de não ser estigmatizada para o resto da vida por isso.
Acredito que, aqui, a grande questão é: ela lamenta o fato, está arrependida e nunca mais repetiu esse comportamento nas suas relações. Olhando hoje, identifico que já tive comportamentos que também julgo abusivos, mas não os reproduzo mais em meus relacionamentos.
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Então, ficam as perguntas: até quando seríamos estigmatizadas por ações abusivas? Seremos para sempre pessoas ruins que agiram de modo errado, em uma determinada situação, influenciada por diversos fatores e variáveis?
É injusto. Somos humanas e erramos. Às vezes, muito. O importante é ser capaz de mudar, reavaliar atitudes e até mesmo buscar terapia, caso seja possível.
No caso específico de Dado Dolabella, temos um ponto agravante: ele é um homem. Não digo que não acredito na capacidade de um homem mudar, procurar ajuda especializada, reavaliar seus comportamentos e, por fim, mudar. Principalmente se pensarmos que já se passaram tantos anos – ainda acredito no poder transformador do tempo, trazendo nos seus braços a maturidade.
O problema é que o currículo do ator é extenso quando os assuntos são relações abusivas, violência e irresponsabilidade. Durante a relação com Wanessa Camargo, ambos eram vistos brigando frequentemente. Paparazzis registravam imagens e toda mídia, família, amigos e fãs da cantora tinham conhecimento de alguns momentos conturbados do namoro.
Dolabella foi acusado e condenado por agredir Luana Piovani em 2008, em uma boate na Gávea, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, ele foi acusado e, posteriormente condenado, por outro caso de agressão, dessa vez contra a camareira Esmeralda de Souza Honório, conhecida como Dona Esmê. Além disso, ele já foi preso por não pagar pensão.
Diante de tudo isso, fica difícil olhar para Dado Dolabella com empatia. Mais complexo ainda é acreditar que esse homem seja uma boa pessoa e um bom companheiro. Suas atitudes não me parecem meros atos isolados, um deslize aqui ou ali. Suas ações envolvem violência contra mulher, crime e más condutas.
Wanessa Camargo é uma mulher adulta e deve decidir com quem se relaciona ou não. Quem somos nós para lhe dizer o que, como ou quando fazer algo? A questão é que vê-la novamente nos braços de um homem com histórico de relações abusivas e uma série de agressões de todo tipo é preocupante.
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Todas temos pelo menos uma amiga que voltou com um(a) ex-abusivo(a), com argumentos como “ele(a) mudou”, “ele(a) amadureceu”, “agora vai ser diferente”, “ele(a) está arrependido”, dentre outras variações. Como mulheres que assistimos de perto a essa cena, sabemos o quanto é triste! Por vezes, é até difícil ter forças para dar suporte – imaginamos onde isso vai dar e quase sempre estamos certas.
Há um imperativo invisível que se coloca na vida das mulheres, construído por uma série de fatores existentes em uma sociedade patriarcal, sexista e muito afetada pelo discurso religioso cristão: a mulher deve sempre perdoar. Mas, tem algo pior: acreditar que conseguimos fazer determinado sujeito mudar.
Uma pessoa só muda quando quer, isto é, quando busca mecanismos e maneiras de fazer que a mudança aconteça porque a deseja. Nós, mulheres, não somos uma ferramenta de reinserção social ou uma vertente terapêutica.
Não digo que Wanessa Camargo pense assim, mas, sem dúvidas, ela sabe do histórico de seu companheiro e deve acreditar que ele mudou, está mudando ou vai mudar. O fato é que muitas mulheres, e até eu me incluo, já estiveram nesse lugar de crença: ele(a) vai mudar, agora vai ser diferente e eu posso ajudar com isso.
Após algum tempo de terapia, posso dizer que, no máximo, somos capazes de olhar para nós mesmas e mudar ou amenizar o que incomoda em nossas atitudes e formas de viver. Isso a longo e doloroso prazo, vale ressaltar.
Creio ser muito importante termos consciência de com quem estamos nos relacionando, qual bagagem essa pessoa carrega e se somos capazes de carregá-la juntos(as) – e aqui vou muito ao encontro do tema do podcast ‘Afetos’, mencionado anteriormente.
Mas é preciso dizer que sempre há uma linha. Essa marcação define o que é ou não aceitável em alguém quando buscamos nos relacionar. Ela precisa ser traçada.
É aceitável me envolver com um homem com histórico de abuso e violência ou para mim isso é inegociável? Aceito ser traída dessa ou daquela maneira? Como gosto de ser tratada? Qual é a minha frequência afetiva ideal? Qual é o formato da minha relação?
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Ultrapassando qualquer um dos nossos limites, podemos dizer, sim, que estamos embarcando em uma relação não saudável e que tem potencial para ser abusiva, mesmo que de modo silencioso.
Quanto à Wanessa Camargo, torço para que ela e tantas outras mulheres não deixem de traçar suas linhas de aceitabilidade. E nunca deixem de olhar para si mesmas com muita gentileza e afeto.
Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.