COLUNA

O que você pensa quando vê uma camiseta verde e amarela?

Estela Lacerda

Para muitos, a camisa da Seleção Brasileira de Futebol se tornou um símbolo político, mas em periferias ela ainda é sinônimo de alegria e festa

Cresci em uma cidade pequena e periférica, perto de uma avenida repleta de pequenos estabelecimentos. Em ano de Copa do Mundo, tudo ficava verde e amarelo, dos meios-fios, mercados e mercadinhos às lojas de 1,99 (bons tempos!) e de roupas. Era uma alegria imensa, uma espécie de novo estado de vida, completamente contagiante.

Em especial, lembro das lojinhas vendendo camisetas e regatas nas cores da bandeira do Brasil. Das camisetas mais simples, com tecidos sintéticos, às mais elaboradas, seja porque tinham lantejoulas e muito glitter, ou por serem originais, com o número e nome do jogador na camisa.

Lembro que, na Copa de 1998, eu era doida por uma camiseta do Cafu. Em 2006, eu queria muito uma do Kaka. Nunca tive nenhuma das duas, porque minha família não tinha condições financeiras para isso e minha mãe não era de comprar falsificações – tinha medo.

Em ano de Copa, minha irmã e eu vestíamos nossas camisetinhas verde e amarela de uma fábrica que vendia mais barato do que as lojas perto de casa. Então, assistíamos às partidas com meus pais e vizinhos, que eram quase nossa segunda família. A cada gol, gritávamos, subíamos no muro ou em cima do caminhão do vizinho e até vuvuzela chegamos a tocar.

Mais adulta, passei a me dividir entre assistir com amigos, no trabalho ou com meus pais. Sempre trajada de verde e a amarelo, porque é um manto. Não me vestir assim poderia dar azar – e eu que não queria ser culpada pelo Brasil não levar uma Copa do Mundo para casa.

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O problema é que não só eu, mas muitos outros brasileiros passaram a ter receio de vestir verde e amarelo. Isso ocorreu em 2016, após a camisa da seleção ter se tornado um símbolo político, principalmente daqueles que eram a favor do impeachment de Dilma Rousseff, única presidente mulher do Brasil, democraticamente eleita. O cenário tornou-se ainda mais crítico quando a camisa passou também a ser utilizada por eleitores e defensores do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, eleito em 2018, e que busca a reeleição.

Assim, infelizmente, a camisa que era o cartão de visita do país passou a dividir os cidadãos, estando cada vez mais associada à polarização política. Neste ano, temos não só a Copa do Mundo, mas também as eleições. Então, fica a pergunta: o verde e o amarelo vão unir ou separar ainda mais os brasileiros?

A nova camiseta da seleção brasileira de futebol

Divulgação / Nike

Na semana passada, a Nike e a CBF anunciaram a nova camiseta da Seleção Brasileira, com predominância da cor azul e estampa de oncinha, ou animal print. É claro que, ao fugir do tradicional verde e amarelo, o novo vestuário gerou polêmica.

O novo “manto” está disponível na cor amarela, mas também azul, cor que já foi predominante em outras camisetas da seleção. Quanto à estampa de onça, há muitas explicações: remete à natureza ou mesmo à garra do brasileiro.

De acordo com a CBF, a alusão à onça-pintada na camiseta homenageia a “coragem e cultura de um povo que nunca desiste”, sendo inspirada, portanto, “na garra e beleza” do felino, um dos maiores do mundo e bastante presente em solo nacional.

Eu gosto da nova camiseta da seleção e confesso que, como uma mulher bem fã de assistir à Copa do Mundo e de toda energia inebriante que é acompanhar os jogos, devo usar uma camiseta do Brasil, sim. Seja verde e amarela ou azul com oncinha.

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Agora, quero fazer um retorno ao início deste texto, para chamar atenção ao que quero realmente dizer. Apesar de todos os embates políticos que enfrentamos atualmente, principalmente entre possíveis eleitores de Lula e Bolsonaro nas próximas eleições, a camiseta verde e amarela nunca deixou de ser usada em cidades periféricas, comunidades e favelas. Ou seja, a camiseta da seleção, mesmo que falsificada, nunca deixou e, provavelmente, nunca deixará de ser vestida pelo povo.

Longe das polarizações e rixas entre esquerda ou direita, o verde e amarelo segue como um símbolo de alegria, um sinônimo de festa e união entre pessoas queridas, ao ver a bola rolar e ouvir o narrador de cada jogo. Seja pela tv de casa, da vizinha, do bar, da padaria da esquina ou pelos ‘radinhos’ com antenas muito bem posicionadas.

Nas lojinhas de cidades pequenas ou em bairros periféricos de grandes metrópoles, nas barracas de camelôs, nos guarda-roupas, nas ruas, nos pontos de ônibus, nas crianças andando de bicicleta, brincando de bola ou de boneca, o verde amarelo continua existindo. Muitas vezes, inclusive, numa camiseta passando de mãe para filha, de pai para filho, de irmãos para irmãos etc. Como eu e minha irmã fazíamos, para revezarmos nossas camisetas a cada jogo, mesmo que ficasse apertada no braço ou a barriga ficasse de fora.

Símbolo político ou não, o verde e amarelo é maior que qualquer governo que não nos representa!

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.