Em 2019, quando se falava frequentemente em porte de armas no Brasil, as discussões tiveram duas frentes: maior proteção x ainda mais violência. Independentemente da frente, as mulheres temem ainda mais ser vítimas de homens armados.
Vivemos no país onde uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 minutos, e as razões são inúmeras. Homens matam por ciúmes, por serem contrariados, por acreditarem que parceiras são sua propriedade, por controle do ir e vir e, claro, por poder.
Se em alguma medida as mulheres escapam de tentativas de assassinato, é devido à força física ou ferramentas de pouca letalidade. No entanto, não há muito o que fazer contra armas de fogo. A morte, infelizmente, é quase certeira. E os riscos são maiores entre mulheres negras.
É difícil esperar algo diferente quando o Presidente da República, democraticamente eleito, é reconhecido pelo gesto de disparar uma arma com os dedos, tendo como uma de suas primeiras medidas governamentais a ampliação da posse de armas.
E, se no Brasil o governo se manifesta por meio de signos de agressividade e violência, torna-se lamentavelmente normal mulheres se sentirem inseguras, terem medo de estupro e de armas. Medo de homens que amam armas.
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Recentemente, o Deputado Estadual de São Paulo, Arthur do Val (Podemos), também conhecido como “Mamãe Falei” e por fazer parte do Movimento Brasil Livre, teve áudios vazados. Dentre seus pronunciamentos machistas, o que mais se destacou foi afirmar que mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres”.
Diante de todo ocorrido, o pedido de cassação do deputado acaba de ser aprovado pelo Conselho de Ética da Alesp e agora segue para votação em Plenário. Caso maioria dos parlamentares sejam favoráveis, Do Val perde seu mandato.
Mas antes mesmo que sua cassação fosse efetivada, o deputado emitiu a seguinte declaração: “se for para cair, vou cair atirando”. Complementou ainda dizendo que, se sua cabeça for cortada, mais três nascerão no lugar.
São falas em tom ameaçador e, provavelmente, remetem a entregar outras pessoas, mas não parece estranho que, mais uma vez, tiros e, portanto, armas ressurjam entre políticos no Brasil. E em um contexto que remete a mulheres. Contudo, independente dos demais envolvidos no episódio, seu erro existe! Tiros não vão apagá-lo.
Freud explica tudo isso? Talvez. A arma tem valor simbólico ligado diretamente ao poder, à potência e à masculinidade. Transformá-la em um objeto de desejo, de controle da vida e da morte, em suma, de fonte de poder, é, antes de tudo, torná-la um objeto de fetiche.
Assim, o homem portador de uma arma prostra-se como detentor do controle. Freud diria, principalmente com base em sua obra A Interpretação dos Sonhos, que uma arma é fálica, uma extensão do pênis, potencializando o sentido de virilidade, força e a dominação diante do outro.
Em um país fundamentado pela violência desde sua colonização, começando pela exploração e aniquilamento indígena, o uso de arma é fetiche, o puro desejo de poder. O acesso às armas no Brasil existe para um grupo seleto de homens e são poucas as mulheres que as desejam. Ainda assim, mesmo quando se quer tê-las nas mãos, nem todos possuem condições financeiras para isso.
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Pesquisas, também da psicologia freudiana, apontam que estupros e feminicídios são explicados porque a sexualidade masculina é construída como uma forma de poder do homem sobre a mulher. Ela é associada a uma arma, que leva à violência. Tanto a agressão quanto a dominação masculina são produtos do desejo pelo poder.
E voltando a Arthur do Val, vale ressaltar que, logo após suas declarações a respeito das mulheres na Ucrânia, também repercutiu uma acusação de estupro. Uma jovem estudante teria sido abusada aos 17 anos, tendo hoje 23, porém o caso foi arquivado pelo Ministério Público por falta de depoimentos suficientes de outros estudantes.
Não surpreende que o homem que pode cair atirando também tenha um estupro em sua trajetória, ou seja, uma arma de poder sobre uma menina. Lembrando: esse é o mesmo homem que enxerga como “fáceis” as ucranianas que estão vivendo uma terrível e desumana situação de guerra.
Caso o parlamentar caia, será não só pelo bem das ucranianas, mas de todas nós. Que governantes como ele não estejam à frente de políticas que colocam em risco a vida das mulheres diariamente.
Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.