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Na semana passada, a jornalista Ana Luiza Dias teve seu rosto todo machucado estampando notícias nos mais diversos veículos de mídia. A imagem chocava a todos e trazia manchetes perturbadoras, declarando que ela foi mantida em cárcere privado durante três dias pelo então namorado, Fred Henrique Lima Moreira.
Em entrevista ao “Fantástico” neste domingo, Ana Luiza relembrou a relação com o Fred. Se você não sabe, resumo aqui: estavam bem até os dias anteriores ao cárcere, o que mudou quando ele começou a acusá-la de infidelidade. Então, devido aos ciúmes, ela foi agredida com cassetete e nem sequer tinha como gritar por ajuda, porque havia fraturado o maxilar. Em tentativas de pedir socorro, foi agredida novamente com diversos golpes até desmaiar, mas graças a um momento de descuido do agressor, a porta do apartamento ficou aberta e a vítima pode fugir e ir até uma delegacia.
Não consegui reagir quando acompanhei as primeiras notícias. Sendo bastante sincera, não entendo que cobrem de nós, mulheres, uma opinião imediata a respeito de algo tão doloroso – quando nossas vozes são ignoradas em diversos ambientes de relevância política. Deixem-nos sentir antes de dizermos qualquer coisa.
Ver Ana Luiza repleta de hematomas e feridas me doeu e ainda dói profundamente. Me dá vontade de abraçá-la, dar colo, uma palavra de conforto. Eu queria fazer tanto por Ana Luiza, mas às vezes mal consigo fazer algo por mim, por minha segurança e das mulheres que me rodeiam.
Há dias penso nessa história e me sinto triste e fraca. Imagino que poderia ser eu, poderia ser minha irmã ou mãe, minha amiga. Poderia ser você, sua vizinha, qualquer uma de nós. E ainda pode ser – e isso é assustador. Nós não sabemos, mesmo que estejamos alertas, com quem de fato estamos nos relacionando. Quando surgem os primeiros indícios, já pode ser tarde demais.
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Tenho pensado muito sobre os homens ao meu redor e fico imaginando o quanto seriam capazes de agredir a mim ou a qualquer outra mulher. Tenho cada dia mais receio de me relacionar com homens e de ser eu mesma, de convidá-los para minha casa ou, pior ainda, ir à casa de um homem – seu território e, na minha sensação, um perigo extra para mim.
Ana Luiza quase morreu por uma fúria de posse, causada por um ciúme doentio. Na visão de Fred, ela deveria ser apenas dele e de mais ninguém, mesmo que para isso ele quase a matasse. Saul Klein é acusado por 14 jovens de crimes sexuais, que vão de estupro à transmissão de doença venérea. Investiga-se que garimpeiros tenham estuprado e matado uma garota Yanomami de 12 anos.
Os casos citados acima são apenas alguns dos que estão em alta na mídia, mas todos os dias mulheres pobres, negras e indígenas sofrem violências várias e não se tornam notícia. Seus agressores não cumprem penas, estão impunes, à solta.
A cada notícia de violência contra mulher, o que eu sinto é que os homens, em sua maioria, não amam mulheres. Pelo contrário, amam a ideia de poder que têm sobre elas/nós por meio da violência – ou violências.
Os homens precisam amar as mulheres. E quando eu falo de amor, não é romanticamente, mas amar o ser humano que é toda mulher.
Segundo o Fórum de Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só no ano passado, o Brasil registrou um estupro a cada 10 minutos e um caso de feminicídio a cada 7h. Sem contar os inúmeros boletins de ocorrência registrados por mulheres que denunciaram seus agressores e os casos de violência não denunciados. O país da Lei Maria da Penha, uma das melhores leis de proteção, ainda é um dos que mais violenta mulheres.
É preciso educar meninos para tratarem mulheres com igualdade, respeito e educação. Para crescerem sem enxergar a mulher como uma espécie inferior, subalterna, um objeto a ser conquistado e dominado. Para que a mulher não seja vista como uma coisa descartável que, caso gere algum incômodo, acabe sendo silenciada, manipulada ou abusada.
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Também é necessário educar meninas para serem independentes e saberem os limites de uma relação afetiva e sexual saudável. E, quando falo em independência, não falo só da emocional, importantíssima. Incluo também a financeira, porque a ausência de dinheiro também pode prender uma mulher ao seu agressor, principalmente se ela tiver filhos.
Essa educação que impõe igualdade e empodera garotas precisa partir dos pais, mas também da escola, enquanto instituição formadora. A partir dela, nós, meninas e mulheres, talvez um dia não tenhamos medo de impor limites, saibamos identificar situações abusivas e, também, como e quando pedir ajuda, se necessário.
Eu acredito muito no papel transformador da educação, mas só ela não basta se não tivermos políticas efetivas de combate à violência contra mulher. O Brasil é um dos países com leis excelentes no combate à violência, mas sua aplicabilidade não é tão efetiva. Falta fiscalização, investimento e boa vontade para que as leis sejam instrumentos de proteção e possam diminuir os casos de violência contra mulher.
Também faltam mulheres no poder – e, em ano de eleições, refletir sobre representatividade feminina na política é muito importante. Precisamos, urgentemente, que mulheres decidam em nome das mulheres, pensando em suas necessidades e embates diários. O que não quer dizer que não devemos votar em homens, desde que eles tenham projetos que pensem nas mulheres, que elevem nossa qualidade de vida.
O país continuará sendo um dos menos acolhedores e seguros para nós enquanto homens forem maioria no poder, decidindo quanto tempo devemos ter de licença maternidade, quando podemos ou não fazer aborto, ou se vamos ter métodos contraceptivos e itens de higiene menstrual distribuídos gratuitamente ou não.
Termino aqui lembrando o que Bell Hooks diz muito sabiamente sobre o amor como ação, e não um sentimento romântico: “O amor é o que o amor faz”. Que homens saibam amar mulheres e entendam que o amor de verdade está na contramão da dominação masculina!
Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.