Dicas de Mulher
Minha mãe, dona Irene, já falecida, era famosa. Soube disso muito cedo e, confesso, não foi nada fácil lidar com a fama dela. Não consigo me lembrar exatamente quantos anos eu tinha quando descobri que ela era uma celebridade, mas sei que foi “de pequenininha”, por volta dos sete ou oito anos.
Dona Irene costumava cantar enquanto trabalhava e, certa manhã, eu a ouvi entoando, alegremente, uma canção na qual aparecia seu nome. Lembro do seguinte trecho:
“Eu quero ir, minha gente
Eu não sou daqui
Eu não tenho nada
Quero ver Irene rir
Quero ver Irene
Dar sua risada
Irene ri
Irene ri, Irene
Irene ri
Irene ri, Irene
Quero ver Irene
Dar sua risada…”
Fiquei admirada, e disse:
– Mãe, essa música fala de você! E ela confirmou.
– Sim filha, foi feita para mim. Como sempre dou muita risada, o cantor achou que eu merecia uma música.
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Achei fabuloso. Minha mãe tinha uma música feita só para ela. Eu tinha que contar isso para os amiguinhos da escola. Contei! Mas eles não acreditaram. Disseram:
– Se é verdade, então cante a música.
Obviamente, eu não sabia a letra. Passei por mentirosa. Assim que cheguei em casa, pedi para a mãe me ajudar a decorar. Demorei um bocado e consegui decorar apenas esse pedaço aí de cima.
Pouco tempo depois, minha mãe apareceu com um disco de capa branca escrito Caetano. Eu não tinha a mínima ideia de quem era. Ela colocou uma música e disse:
– Vem ouvir filha, é o disco com aquela música que fizeram para mim.
Olhei a capa do disco e lá estava escrito o nome da minha mãe, Irene. Fiquei impressionada. Minha mãe era realmente famosa. E agora, com o disco daquele sujeito com nome esquisito, Caetano, eu poderia provar para meus colegas de escola que minha mãe tinha uma música feita para ela.
Pouco tempo depois, minha mãe começou a cantar outra música que também falava dela. Vocês não imaginam o que senti. Minha mãe estava mais famosa ainda. Agora ela tinha duas músicas feitas para ela. E essa nova música não falava só da dona Irene. Falava também da nossa casa, do jeito como minha mãe gostava de festas e da casa cheia de gente, de cantoria, de risadas.
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Mamãe contou que a animada canção se chamava Casa de Irene. E o nome do cantor também era esquisito, Agnaldo Timóteo. Lembro de um trecho:
“Na casa de Irene se canta e se ri. Tem gente que vem, tem gente que vai”.
Eu, que já crescia toda “metida” pela “famosice” de minha mãe, fiquei mais exibida quando descobri, logo depois, que, além das duas canções, a matriarca estava sendo representada numa série de televisão que tinha o mesmo nome da segunda música. No seriado, a TV colocou minha mãe como dona de uma pensão, a Casa de Irene, localizada no bairro do Bexiga, em São Paulo. Irene, a proprietária, era minha mãe “escritinha”, ao mesmo tempo engraçada, rabugenta e bondosa. A atriz que fazia o papel da minha mãe era a Nair Belo, a cara da dona Irene. As divertidas histórias envolviam os inquilinos da pensão. Mas, minha mãe nunca teve uma pensão; tinha, sim, um salão de beleza. Segundo ela me explicou, não a colocaram no cenário do salão para evitar que formassem fila na frente da nossa casa para pedir autógrafo.
Vish! Eu poderia escrever umas dez páginas sobre a fama da minha mãe. Porém, vou deixar por aqui. Não quero constranger meus amigos que não têm uma mãe famosa como a minha.
Ah, desculpe, tenho sim uma amiga com mãe famosa. Sua mãe chama-se Ângela e um tal de “maluco beleza” fez uma música para ela.
PS: hoje, sei que as “invencionices” de minha mãe faziam parte da sua busca por criar uma identidade. Herdei a liberdade de fantasiar e, também para mim, esse encantamento me ajuda a encontrar meu espaço de mulher.
Doutora em História, mestra em Educação e graduada em Pedagogia. Professora aposentada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mantém-se na luta cotidiana pela educação de qualidade, democrática e para todos.