Dicas de Mulher
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Tenho uma confissão a fazer. Durante muito tempo eu achei que não era inteligente o bastante para participar de qualquer tipo de discussão. Quando eu tinha 20 e poucos anos, no início da universidade de Jornalismo, trabalhei em uma redação recheada de pessoas brilhantes, que escreviam reportagens sobre ciência e tecnologia. Me lembro de evitar almoços com a equipe por medo de não conseguir acompanhar as conversas. Minha preocupação era falar alguma besteira se o papo fosse sobre política, cultura ou mesmo coisas simples, como uma música lançada pela banda favorita de algum deles.
Hoje percebo que eles não eram, necessariamente, superdotados como eu os via. E eu não era tão fraca intelectualmente quanto achava. A diferença essencial entre aquelas pessoas e eu era o acesso à informação. Meus colegas de trabalho liam notícias, ouviam programas de rádio sobre atualidades e debatiam o que estava em alta. Enquanto isso, eu estava envolvida em bate-papos sobre corações partidos de amigas, usando o rádio só para ouvir música e entrando na Internet para usar as redes sociais. Minhas próprias escolhas (das quais não me arrependo) me afastaram do conhecimento que eu tanto invejava.
Esse pode não ser o seu caso específico. Talvez você, pela forma estruturalmente desigual que nossa sociedade oferece acesso à educação, não tenha tido chance de estudar formalmente. Pode ser ainda que sua rotina de trabalho ou cuidado com a família te impeça de investir tempo para acompanhar debates políticos.
Sobre esses aspectos, porém, vale a pena fazer algumas ressalvas. A quantidade de livros que você leu – ou que deixou de ler – não é um medidor da sua capacidade de compreender o mundo à sua volta. É uma falácia que beneficia grupos privilegiados pensar que um diploma ou título permitem que sejamos mais respeitadas quando expomos nossa opinião. Todo conhecimento, incluindo o informal, como aquele que surge na mesa do bar, é igualmente válido. Quando se trata de política, a verdade é que somos muito mais movidos pelas nossas paixões (vide as discussões nos almoços de domingo) do que por fatos históricos.
Vale a pena entender o que significam os três Poderes, como atuam pessoas em cargos Estaduais e Federais e de que forma os partidos políticos se articulam? Certamente! Para isso existem sites especializados que explicam como se estrutura nossa democracia. E muito embora admitir quanto não sabemos seja mal-visto, desestimulando ações como a da cantora Anitta, que pediu que a ensinassem mais sobre política, é só admitindo onde estão nossas dúvidas que começamos a nos mover em direção às respostas.
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Agora eu te pergunto: o que, para você, falta para que se sinta segura para expressar sua opinião politicamente? Será que é conhecer nome de partidos e funcionamento de leis ou é coragem para se posicionar e escolher um lado? Dizem que quem fica em cima do muro é amigo do dono. Eu concordo plenamente. E defendo que você se pergunte quem são as pessoas com as quais você se identifica e o que elas defendem. Para isso será preciso um exercício de autoconhecimento de modo que, antes de saber quem está certo ou quem está errado, você saiba como você se sente sobre assuntos sensíveis como equidade de gênero, questões de grupos menorizados, a exemplo dos povos indígenas e quilombolas, luta antirracista e anticapacitista. Pode ser que o medo venha de admitir não apenas quem você defende, mas o que você defende.
Lembre-se, no entanto, que nós, mulheres, lutamos arduamente para conquistar e garantir nosso direito de expressão política, desde o movimento sufragista, aquele que garantiu o voto feminino, até nossa presença nos cargos de comando da nação.
Temos o poder, assim como qualquer outra pessoa, de reivindicar melhorias dos nossos espaços públicos, cobrar postura ética de governantes e exigir nossos direitos fundamentais que garantam boa qualidade de vida. Isso tudo fazemos a partir do exercício do voto. E, muito embora, o voto não se discuta, participar de conversas sobre esse tema nos permite tomar decisões menos passionais e mais próximas ao que, de fato, cada representante da política oferece.
Eu, como mulher e negra, não poderia escrever um texto sobre política sem te convidar a conhecer grupos que defendem causas que impactam diretamente minha existência. Esse é o caso do trabalho que vem sendo desempenhado pela Organização Elas no Poder, uma plataforma de formação que incentiva a presença feminina nas discussões e cargos de liderança política e o Quilombo nos Parlamentos, uma iniciativa suprapartidária para impulsionar candidaturas antirracistas.
Espero ter te inspirado.
Monique dos Anjos é jornalista, consultora antirracista e escritora de contos eróticos para mulheres. Com 20 anos de experiência na escrita de reportagens sobre o universo feminino, hoje estuda gênero e raça enquanto educa três crianças incríveis que a motivam a reconhecer a felicidade todos os dias e em todas as coisas.