COLUNA

Nós, o futuro e a extinção das abelhas

Thays Pretti

Somos 8 bilhões de pessoas no planeta - e precisamos pensar a respeito da nossa permanência nele

Em 17.11.22

Gosto de ler e ouvir escritores pessimistas porque eles me ajudam a equilibrar um pouco a minha energia de labrador solto no parque. Não que eu seja a mais otimista das criaturas. Sendo de Libra, um signo de vento, eu tendo a ser bastante mental, o que consequentemente me faz racional e realista (ou, dadas as circunstâncias, basicamente uma pessimista).

Apesar disso, não posso negar que ainda mantenho uma fagulha de fé na humanidade (apesar de também guardar certa melancolia). Já disseram algumas vezes, se referindo a mim: “a Thays ainda tem brilho no olho”. Destaque especial para o ainda – achei muito significativo. Até porque o brilho no olho não é algo fácil de manter depois dos 30.

Voltando aos escritores pessimistas, ouvi um bate-papo entre dois deles durante a última FLIM – Festa Literária Internacional de Maringá: Rogério Pereira e Sérgio Rodrigues. Em dado momento, este último falava sobre o futuro, por causa de seu último lançamento, chamado ‘A vida futura’. Disse: “Há um século, não tínhamos dúvidas de que haveria futuro cem anos à frente. Isso era algo dado, óbvio. Hoje a gente não tem certeza se ainda vai haver humanidade daqui a cem ou duzentos anos”.

Isso me impactou. Sabendo que não poderia discordar, me restou deixar a frase reverberar, boiando no meu pensamento. Até agora não sei bem o que fazer com ela. O escritor olhou para a plateia e disse: o mundo vai acabar em breve. E eu fiquei com essa sensação de não saber o que fazer com isso, um vazio nas mãos. E agora? Planto uma árvore?

Moro atualmente em Maringá, no noroeste do Paraná. Apesar de ser na região Sul e todo mundo achar que aqui faz frio, o clima é mais parecido com o da região Centro-Oeste, quente e às vezes bastante seco. Mas neste ano tivemos dias com temperatura abaixo dos 10ºC em pleno outubro e novembro, quando habitualmente já estamos em clima de chinelo e biquini. Toda essa bagunça climática me deixou pensando que o fato de Sérgio Rodrigues questionar se haverá humanidade daqui a cem anos nem parece lá tão bizarro.

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É claro que também não me ajudo muito nesse sentido. Eu, que já estava nesse clima catastrófico, poderia ter me poupado e escolhido um livro leve para ler após o final da FLIM. Em vez disso, caí em ‘A extinção das abelhas’, da Natália Borges Polesso.

O livro é excelente. Finalista do Prêmio Jabuti de 2022, o romance é muito bem escrito, com personagens intrigantes e bem construídas. Também a estrutura do texto me agradou: na primeira parte do livro, por exemplo, a última palavra de cada capítulo se transforma no título do capítulo seguinte. Esse encadeamento de realidades teve, para mim, um quê de simbólico, como se as pessoas, mesmo que distantes, se conectassem de alguma forma.

Mas isso é uma visão talvez otimista demais para um romance tão conectado à devastação do planeta. Nele, em um futuro distópico não muito distante, o mundo enfrenta um colapso climático devido ao nosso estilo de vida atual. Um dos indicativos dessa crise é a extinção (ou quase) das abelhas. Sem elas e, consequentemente, sem a polinização, muitas espécies de plantas estariam se extinguindo, inclusive alimentícias. Os impactos no clima e na economia são gigantescos. Há diversas outras tramas e dificuldades pessoais das personagens acontecendo simultaneamente, mas o que me alcançou mais fundo foi a sensação de proximidade do fim do mundo como o conhecemos que a narrativa cria.

Inclusive, o livro me fez lembrar de uma informação que ouvi em uma palestra, mas já não lembro quando ou de quem: a de que o último dia para podermos reverter uma catástrofe climática estava irremediavelmente próximo. E, quer saber? Esse dia já passou. Sem querer ser alarmista, mas já sendo um bocadinho, eu acho que “daqui para frente é só para trás”, como dizem os mais velhos.

Não acredito que o planeta deixe de existir. Eu acho que o planeta em si vai seguir de boa. Só não sei dizer por quanto tempo a humanidade e nosso estilo de vida atual se sustentam. Há uns dias, alcançamos a assustadora marca de 8 bilhões de pessoas no mundo. Mesmo depois de uma pandemia que causou tantas e tantas mortes. Será que precisávamos mesmo chegar a esse ponto? Será que o planeta comporta? Eu tenho minhas dúvidas.

Ainda não sei bem o que fazer com tudo isso em mãos. Vale separar o lixo reciclável? Vale o veganismo? Evitar canudos plásticos, vale? Acredito que, no livro da Polesso, apesar do profundo caos enfrentado pelas personagens, a resposta seria ‘sim’: há uma perspectiva de renovação. Até porque as mulheres da trama encontram algo no final da história que dá uma pontinha de esperança a elas e a nós, leitores – mas não vou especificar mais do que isso para não soltar um spoiler. O próprio nome da personagem, Regina, que ela sempre enfatiza significar ‘rainha’, nos remete à abelha-rainha e, assim, a uma possível reestruturação da colmeia. É bonito.

Da minha parte, sigo com minha energia de labrador solto no parque – não sei ser de outro jeito. Mas talvez eu seja agora um labrador mais consciente da nossa própria fragilidade enquanto espécie.

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Sobre o livro, recomendo demais a leitura. Até porque a experiência de fim de mundo que ele carrega pode ser justamente o que precisamos para começar a colocar em prática – ainda que um pouco tarde – alguns novos caminhos para a humanidade.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três. Escrevo a newsletter Versilibrista.