COLUNA

O que aprendi com a maternidade das minhas melhores amigas

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Ser mãe ainda é um espaço de solidão que muitas vezes nós, pessoas sem filhos, não acolhemos muito bem

Uma das minhas melhores amigas, a Mayara, completou 34 semanas de gravidez. A barriguinha redonda chega nos lugares antes dela, abre caminhos. Ela às vezes cancela cafés, fica cansada, tem azia. Tudo isso com uma simples justificativa: “tô muito grávida, Tha”.

Eu nem sabia que gravidez fosse coisa de estar muito ou pouco, mas entendo bem o que ela diz. Respeito e só espero o que ela pode oferecer. Produzir um bebezinho não é uma tarefa fácil, engaja hormônios, energia. É cansativo.

Outra das minhas melhores amigas, a Vanessa, tem uma menininha que acabou de completar quatro anos, a Alice. A Va se preocupa muito com nebulizadores, tosse e coriza, com a cor do catarro e a do cocô. Se preocupa com por-favores e obrigados, com barulho de choro, desenhos animados e o fato de às vezes Alice não querer cumprimentar as pessoas “direito”.

Quando eu encontro uma ou outra, colocamos fofocas em dia. Falamos sobre livros (paixão das três), sobre escrever (paixão minha e da Ma), mas também falamos sobre parto, berço, fraldas, a tosse da Alice, a birra, a escolinha, o quartinho do bebê que vai chegar. Porque ter uma amiga mãe é acolher também sua criança – com tudo o que vem junto. Ter uma amiga mãe é entender que toda conversa pode ser interrompida por uma criança chorando ou pedindo atenção.

“Você viu ele chutar, Tha?”, a Ma perguntou com as mãos na barriga, quando falávamos sobre revisão literária. E a conversa virou outra coisa, com a Ma explicando como o bebê já está bem-posicionado, como ele se mexe mais em tal horário, como ele já gosta disso e daquilo.

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E tudo bem.

Porque a Mayara é mãe. Ser mãe agora faz parte da identidade dela tanto quanto ser uma excelente escritora e revisora, tanto quanto gostar de dança e ter a risada larga e o olho poético. A Vanessa também é mãe. Essa é uma característica que se soma a várias outras, como ser professora, cantar num coral e rir com o corpo, mas que não pode ser subtraída dela.

Elas são minhas amigas. E são mães. Que tipo de amiga eu seria se a maternidade delas não coubesse na minha amizade?

Ainda que esse raciocínio pareça óbvio, não é um terreno pacífico. São inúmeros os relatos de mães a respeito da solidão materna e do misterioso desaparecimento de amigos durante a gravidez, o puerpério e a infância da criança.

Resta então a pergunta: por que é tão difícil acolher uma mãe?

A solidão materna

Por que as pessoas se afastam na gravidez? Quando você engravida, as amigas somem? Como lidar com a solidão da maternidade? Por que a maternidade é tão solitária?

Encontrei as perguntas acima no Google. Elas apareceram como resultados relacionados quando eu pesquisava a respeito da solidão materna para escrever este texto. Mas já vi e ouvi variações delas milhares de vezes. Nas redes sociais, em rodas de mulheres.

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Aparecerem no Google é bastante sintomático, porque indica que há pessoas, provavelmente mulheres, fazendo essas pesquisas. Ou seja, há mulheres que estão solitárias a ponto de buscarem na internet algo que responda a essa dor. Para mim, isso já é o bastante para indicar que estamos falhando como sociedade no acolhimento das mulheres-mães.

Não sou mãe, mas eu sei que a maternidade é muito menos romântica e com mais dificuldades e angústias do que pintam por aí. Se por um lado há uma sacralização da figura da mãe, por outro, ela é responsabilizada tanto pela maior parte do cuidado quanto pelo “sucesso” ou “insucesso” de uma criança. Se algo “dá errado” no desenvolvimento dessa criança, se ela cai ou adoece, se vai mal na escola ou arruma briga, a mãe é rapidamente culpada (até por si mesma).

Como se não bastasse isso, muitas vezes as pessoas se afastam por a mãe não conseguir mais participar das mesmas atividades que participava antes devido a horários, aos cuidados com a criança ou simplesmente por cansaço. Isso é cruel. Compreender as limitações (momentâneas) de alguém e se adaptar às circunstâncias para poder estar com a pessoa também é uma forma de demonstrar amizade.

E, convenhamos, nem é tão difícil assim. Será que custa tanto trocar um bar ou balada ocasional por uma sessão de Mundo Bita com pipocas, sua amiga e a criança dela? Ou entender que às vezes ela vai precisar cancelar tudo na última hora porque a criança está com cólica? Não me parece tanto esforço da nossa parte colaborar com um mínimo de compreensão em relação a alguém a quem queremos chamar “amiga”.

“É preciso uma aldeia para criar uma criança”. Toda vez que estou com Alice, lembro desse provérbio africano e dou meu melhor para ser uma figura da qual ela se lembre com afeto. Quero dar um bom exemplo de cuidado e atenção, para mostrar que não, não é só a mãe a única responsável pela educação de uma criança. A sociedade educa junto, um pouquinho cada um. E a sociedade é fundamental para entregar para essa criança uma mãe fortalecida, acolhida, completa.

Nenhuma mulher nasce sabendo ser mãe. Ser mãe é algo que se aprende gradualmente, no ato. E esse aprendizado certamente vai ser mais leve se nós, enquanto sociedade, julgarmos menos e acolhermos mais. É importante estar com nossas amigas mães, escutá-las, apoiá-las. Respeitar suas buscas, anseios e sonhos.

Principalmente, é importante dar espaço para elas continuarem sendo as mulheres que são – sendo mães como um complemento do que já eram, e nunca como um anulador. Ser mãe não pode ser visto como impedimento ou dificultador. É uma singularidade que precisa ser entendida e respeitada como tal.

Então sejamos, hoje e sempre, boas amigas para nossas amigas mães.

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* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três. Escrevo a newsletter Versilibrista.