Dicas de Mulher
Um dia a gente acorda e se dá conta de que não tem como dar conta de tudo. E percebe que para fazer só o que é possível, sem sobrecarga, sem atingir os limites da exaustão, preservando a saúde física e mental, seria preciso permitir que muitas falhas acontecessem. E então, nos percebemos entre duas saídas para o mesmo problema e nenhuma solução.
De um lado, a chance de ultrapassar os limites da própria humanidade para atingir, aos olhos da sociedade, a condição da “mãe perfeita”. Do outro, o encontro com a felicidade, ao poder ser apenas aquilo que nós somos, e ao realizar apenas aquilo que a nossa humanidade nos permite. Em todos os cenários, as mães estão sob a mira da culpa. Ou se entregar à luta e se render à manutenção constante do lar; ou, ainda, o que poderia ser uma excelente solução, mas não é: fazer somente aquilo que é possível ser feito com respeito e com afeto.
O amor de mãe é incontestável. Mas para o ideal romântico, o amor da mãe precisa ser constantemente questionado e posto à prova. E se não for possível amamentar com respeito e com afeto? E se não for possível educar com respeito e com afeto? E se não for possível promover a segurança alimentar, física e psicológica com respeito e com afeto? Muitas mães em vulnerabilidade financeira e sem rede de apoio se veem sem possibilidades de agir respeitosamente, quem dirá afetuosamente, porque estão tendo que, literalmente, “descobrir um lado para cobrir o outro”.
Sem apoio, diante do acúmulo de tantas tarefas e funções, a única escolha que resta às mães é falhar. Só que para a maternidade romantizada, uma mãe que ama os seus filhos é capaz de dar conta de tudo sozinha, sem compartilhar suas dores, sempre muito agradecida inclusive pelas dificuldades e sem precisar da participação de mais ninguém.
A romantização favorece a sobrecarga materna, é o lembrete do padrão imposto, é a representação da perfeição inalcançável, é a maquiagem no olho roxo, é a foto plena de sorrisos que se tivesse som revelaria angústias. Funciona, também, como um mecanismo regulador da diversidade, despencando no ranking a mãe que se afasta do modelo enunciado. Há mães que romantizam por medo de não romantizar, por medo de serem consideradas “menos mãe” caso pensem por algum momento um pouco em si.
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Dois sentimentos comuns a todas as mães são, o desejo de ser a melhor mãe possível e o medo de amar menos os filhos que as próprias vidas.
A romantização diz para as mães que em caso de despressurização da cabine será preciso trabalhar em apneia, porque estaremos falhando com nossos filhos se vestirmos a máscara de ar primeiro em nós mesmas. Mesmo que “vestir a máscara primeiro em si” seja o melhor caminho para salvarmos nossos filhos e a prática de segurança recomendada.
Carolina Damião é atriz, escritora, produtora e criadora de conteúdo sobre o direito das mães de viverem a vida para além da maternidade. Gosta de pintar murais e de dançar. É mãe-solo e deseja ser feliz no paraíso. Em breve no teatro com o monólogo "Não me chame de mãe".