Thays Pretti
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“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”. Você pode notar que essa frase está entre aspas, e é por um motivo muito simples: ela não é minha. Tampouco é de um dos atuais candidatos à presidência, que frequentemente a repete. Quando a usamos, ele e eu, estamos nos remetendo a alguém que se debruçou sobre a política há muito tempo – algo em torno de 2300 anos, mais ou menos. Estamos citando Platão.
Apesar da antiguidade da frase, ela é muito atual. Nem tudo é passageiro e algumas verdades derrotam o tempo. Esta é uma delas.
Há anos temos sido bombardeados com a ideia de que política é uma coisa chata. De que políticos são todos iguais – corruptos e egoístas. De que política é uma coisa para os donos da bola, que estão lá, distantes de nós, resolvendo coisas que não nos dizem respeito.
Mas, adivinha só? Tudo o que fazem dentro do sistema político nos diz respeito, sim. Porque é a partir do que é estabelecido lá, entre essas pessoas que estão “fazendo” a política, que precisaremos viver. O que é determinado pelos nossos governantes – nossos representantes – molda nosso acesso à saúde, à educação, aos alimentos, ao emprego, a um salário justo e digno, à aposentadoria, à moradia e a outros direitos básicos.
Eles, que estão lá, honestos ou não, gostam de política. E nós, aqui, dizendo que não gostamos, somos governados por eles da mesmíssima forma. Fim de papo.
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Mas, o que acontece quando nós começamos a entrar no campo da política?
Foi nisso que comecei a pensar desde a primeira vez que ouvi essa frase do Platão, no Ensino Médio. A frase, aliás, foi um dos grandes incentivadores para que eu decidisse que, sim, eu gosto de pensar a política – mesmo sem interesse em atuar dentro do sistema em si.
Digo isso porque não precisamos trabalhar como políticos (vereadores, prefeitos etc.) para pensar a política. Na verdade, a maior parte da população estará do lado de fora mesmo – é justamente por isso que elegemos nossos representantes para estarem lá. Mas é importante que eles realmente nos representem.
Se eu vou dar um voto (de confiança) para alguém, seja para que cargo for, eu quero que essa pessoa seja ideologicamente alinhada comigo e que entenda o sistema no qual atua. Espero também que suas propostas – com as quais eu preciso concordar – sejam bem estruturadas, e que essa pessoa me ofereça abertura para cobranças.
Gostar de política me fez entender a importância de, enquanto cidadã, exigir certas políticas públicas – de saúde, educação, economia, assistência social etc. Gostar de política me fez pensar no quanto eu, mulher, tinha (tenho!) menos acesso a certos direitos do que os homens. O direito de ir e vir, por exemplo, é um dos que sinto que usufruo de modo diferente por ser mulher. Nem sempre posso ir e vir tendo minha integridade física garantida – e isso especificamente por ser mulher. Pensar política também é tomar consciência disso e me questionar sobre o que fazer para que isso mude, em termos sociais, culturais, legais etc.
A partir dessas reflexões, passei a observar o modo como políticos e candidatos se portam em relação a essa e outras questões importantes para mim. Eu não conseguiria me alinhar com um candidato que fosse ele mesmo um machista, por exemplo, já que os direitos das mulheres estão entre minhas maiores preocupações. Ou alguém que estimulasse violências de qualquer tipo, sendo pacifista e adepta do diálogo e da diplomacia.
Meu interesse por política me fez pensar ainda sobre outras desigualdades, algo sobre o que eu já havia começado a pensar ainda adolescente, a partir de leituras que eu fazia (chamo a atenção mais uma vez para o livro ‘Negras Raízes’, de Alex Hailey, que plantou em mim a semente do antirracismo). Os livros, aliás, são grandes professores – e talvez seja por isso que alguns os temem e os odeiam. Devem ser realmente muito poderosos, se há quem os deseje queimar e proibir.
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Me preocupando tanto com a igualdade entre as pessoas como me preocupo, é impossível que eu não avalie os candidatos por essa lente, tanto em relação ao comportamento deles quanto em relação às suas propostas. Formar equipes e ministérios em que predomine a diversidade também é uma questão para mim – quero ver representados nos altos cargos o máximo de grupos da sociedade que for possível, para, assim, conseguirmos pensar políticas públicas que beneficiem a todos.
Veja, não é pedir muito. Não é absurdo. Eu desejo nada mais, nada menos do que justiça social. Não é um conceito assim tão complexo. E eu acredito que a maior parte das pessoas que eu conheço também deseja uma sociedade assim – justa, igualitária, segura para todos. Então por que estamos tão divididos?
Eu acredito que a resposta está em Platão. Não gostar de política nos afasta de entendê-la, de entender pessoas, de entender as diferenças que coexistem no país. É lógico que há caminhos diferentes para chegar a uma sociedade mais justa. Podemos preferir a abordagem x ou y. Isso é normal e saudável. Podemos estabelecer um debate, discutir opiniões. Se todos entendemos como o sistema funciona, refletimos sobre a sociedade e sabemos quais são as estratégias que podemos usar para – legalmente – alcançar tal ou tal mudança, estamos num terreno neutro em que o diálogo é totalmente possível.
O problema é quando, por causa desse pouco interesse que muita gente tem por política, a coisa descamba para a mentira e o falseamento – o que tem ocorrido muito, com pessoas acreditando nas fake news mais absurdas e defendendo barbaridades várias por puro desconhecimento. E, ainda pior do que isso, quando há a tentativa de se minar a confiança nas instituições democráticas do país.
Eu confio muito nas instituições, na Constituição. Aliás, o pressuposto para o bom funcionamento da nossa sociedade é acreditarmos nelas. Assim como uma religião só se sustenta pela fé que se tem na Palavra, uma sociedade só se sustenta pela crença que temos nas leis e na estrutura democrática. A democracia, assim como as religiões, só se sustenta por meio de uma crença coletiva – ou acordo, se você preferir. Podemos questionar indivíduos, claro, porque nem todo mundo faz as coisas de boa fé. Mas, quando uma sociedade começa a questionar as instituições que a sustentam, ela está flertando perigosamente com seu próprio fim.
A democracia brasileira estabeleceu os três poderes com uma série de pesos e contrapesos justamente para que o poder não se concentrasse nas mãos de uma única pessoa ou grupo. Nosso sistema é funcional. É certo que há algumas regras que dificultam o acesso de certos grupos à participação política – e isso pode ser questionado. Mas o questionamento deve ser feito também dentro desse grande acordo que estrutura nossa sociedade. São as regras do jogo.
Para fechar a ideia e facilitar o conceito com uma metáfora, podemos até falar sobre outra importante instituição brasileira: o futebol. Quando está em campo, você não começa a jogar futebol com as mãos por pura vontade, porque decidiu que seria assim e pronto. Há regras a seguir, e todos devem estar de acordo com elas para que aquilo que está sendo jogado seja uma partida de futebol. Se não, vira handebol, basquete, ou qualquer outra coisa, com cada um jogando como quiser.
Assim como no futebol, podemos torcer para times diferentes, claro. Mas se um time repetidamente infringe as regras do jogo, ele precisa sair de campo. É o acordo em relação às regras que faz do futebol o jogo que ele é. Você não questiona que se chute a bola nesse jogo. Você chuta.
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Você respeita as regras, não agride os colegas. Você aceita o apito do juiz, aceita o cartão – vermelho, amarelo, a cor que for. Ao fim do segundo tempo, quando a partida se definiu e o tempo esgotou, você reconhece o resultado, celebra sua vitória ou aceita a do adversário. E, dentro das regras, parte para a próxima partida.
Meu desejo para todos os brasileiros e brasileiras é que nos interessemos cada vez mais por política, indo realmente a fundo. Que, antes de sair dando opiniões, pensemos na sociedade, entendamos para que serve cada cargo político e como fazer para cobrar a representação que essas pessoas nos devem. É preciso acompanhar o trabalho de cada um, entender o que estão fazendo e a quem isso beneficia de fato. Porque são nossos representantes, não esqueçamos, e gostar de política também é cobrar que cumpram suas promessas de campanha, sejam justos e honestos, pensem no bem coletivo. Só assim deixaremos de ser apenas governados e passaremos a ter nossa parte de atuação.
Democracia é isso, é a participação política do povo, somos nós decidindo e atuando na sociedade da qual fazemos parte – mas dentro das regras. A democracia somos nós e, para impedir que todo o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa, precisamos mais e mais cumprir nossa parte. Que, imagino que já tenha entendido, não é só votar, nem só encaminhar mensagens no zap. É acompanhar, atuar, exigir.
Boa sorte para nós, e que tenhamos uma boa partida.
Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três. Escrevo a newsletter Versilibrista.