Dicas de Mulher
Meus cabelos sempre foram curtos. Frequentemente, fui bombardeada com perguntas como “Você não acha que fica muito masculino?” ou com afirmações como “Bom que cresce rápido né!”. É comum que o corte curto do cabelo da mulher receba o nome de “Joãozinho”, gritando, “aos quatro ventos”, que ele não é feminino. Minha opção pelo cabelo curto sempre esteve relacionada à praticidade, à economia de tempo e ao fato de os achar bonitos e estilosos.
O cabelo é uma das características físicas mais evidentes no corpo humano. É a moldura do nosso retrato e a expressão da nossa identidade. Engana-se quem acha que a escolha do seu formato seja apenas uma ação individual. O corpo e os cabelos, que dele fazem parte, são uma construção social. Pertencem, ao mesmo tempo, à vida privada e à vida pública. Sofrem influências variadas.
O cabelo permite entender o que as pessoas “têm na cabeça” e o porquê de suas escolhas. Ou seja, nosso cabelo dialoga com o mundo. Sempre em movimento, o cabelo reflete modismos, tendências, preferências e crenças, modos e modas de cabelo. Pode depender de práticas religiosas, gêneros, profissões, preferências etc. E pode variar no comprimento, cor, tipos de fio e de adornos, pela presença ou pela ausência de cabelo e por como ele é ostentado ou ocultado.
O estabelecimento de normas para a aparência das mulheres, incluindo o cabelo, é mais comum do que para os homens. Os padrões vigentes, na atualidade, estabelecem que elas precisam ter o cabelo longo e liso para serem consideradas femininas e bonitas.
Os contaminados pelo racismo estrutural adjetivam o cabelo liso do branco como “bom” e “superior” e o cabelo crespo do negro como “ruim” e “inferior”. Alisamentos e apliques são recursos utilizados na tentativa de adequação a esse padrão opressor, passível de inúmeras críticas.
Publicidade
A ideia de que cabelo longo é sinal de feminilidade foi registrada, por exemplo, numa música da dupla Chitãozinho & Xororó, na qual cantam que era um ‘Fio de cabelo comprido’ que ficou grudado no suor do casal que se amava. Não poderia ser um fio de cabelo curto?
As bonecas também reproduzem o estereótipo dos cabelos compridos como símbolo de feminilidade. A eterna Barbie talvez seja o maior exemplo.
É possível até fazer uma classificação socioeconômica do cabelo, pois para mantê-los dentro dos padrões estéticos (compridos, lisos, hidratados etc.), é necessário fazer muitos investimentos financeiros. Também é preciso ter tempo disponível. Com certeza a mulher pobre e trabalhadora dificilmente tem essas condições.
Mas o cabelo feminino não representa apenas a adequação aos padrões estéticos vigentes, ele pode também ser alvo de punição ou simbolizar a resistência aos padrões impostos.
A violência contra as mulheres se manifesta de inúmeras formas e seus cabelos são constantes alvos dessa agressão. São cortados ou até raspados para efetivar uma punição. O corte intencional do cabelo da mulher atua como uma forma de vingança dos homens. Para humilhar a mulher, seus parceiros ou grupos ligados ao crime, alteram, mesmo que temporariamente, sua imagem física.
Quantas vezes já ouvimos relatos de mulheres em contexto de violência doméstica que foram agredidas, por companheiros ou ex-companheiros, e tiveram seus cabelos cortados. E são frequentes, também, relatos de mulheres que para serem punidas, por desrespeitarem regras de traficantes e milicianos, têm seus cabelos cortados ou raspados. Seria um tentativa de “desfeminização” das vítimas?
Além dessas duas situações nas quais os cabelos das mulheres podem exprimir adequação aos padrões sociais ou podem ser alvo de punição contra elas, há também a possibilidade deles serem símbolo de resistência à sociedade racista e machista.
Publicidade
O uso do cabelo black power por mulheres negras (e homens também), por exemplo, é uma simbologia de resistência. Aqui, lembro da música ‘Milionário do sonho’ do Emicida: “Qual foi o idiota que concluiu que meu cabelo é ruim? Qual foi o otário equivocado que decidiu estar errado o meu cabelo enrolado? Ruim pra quê? Ruim pra quem?”.
Deixar os cabelos na sua cor natural quando o padrão é pintá-los, também pode ser um ato de resistência. Usar cabelos curtos na juventude e longos na maturidade, quando o padrão é o inverso, também pode ser um sinal de resistência.
No meu caso, meus cabelos sempre foram e continuarão a ser curtos. Como já disse, por praticidade, por economia de tempo ou simplesmente porque gosto dessa estética, independentemente dos padrões sociais.
Convoco o cantor brasileiro Arnaldo Antunes para concluir esta coluna: “Cabelos podem ser cortados, compridos, trançados, tingidos, aparados, escovados, descoloridos, descabelados, todos são bonitos“.
Doutora em História, mestra em Educação e graduada em Pedagogia. Professora aposentada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mantém-se na luta cotidiana pela educação de qualidade, democrática e para todos.