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Joana, de 28 anos, fez essa escolha. Para ela, a maternidade não é um destino irremediável, é uma escolha e não uma obrigação. Ela sabe que não existe o tão proclamado “instinto materno”. Esse determinismo biológico não resiste à realidade. Ela compreende que a maternidade não é simplesmente um ato individual, mas sim uma prática social, que, inclusive, já teve inúmeras transformações ao longo da história.
Joana tem conhecimento de que a maternidade tem fatores biológicos, mas que também possui outros determinantes (psicológicos, sociais, econômicos e culturais). Ou seja, já desconstruiu o mito da maternidade. E não está sozinha. Dados do IBGE atestam que cerca de 17% das mulheres adultas escolhem não serem mães. Esse é um percentual provavelmente subestimado, se considerarmos os preconceitos que rondam quem faz essa opção. Afinal, os estigmas atribuem à não maternidade características como egoísmo e falta de afeto.
Na literatura contemporânea, há diversos livros que abordam a desconstrução do mito da maternidade. Um exemplo é “Com armas sonolentas” (2018), de Carola Saavedra, que faz uma reflexão a respeito da derrocada do mito do amor materno, mito esse que propõe a bondade inata da mãe. Lembro também de Buchi Emecheta que, no irônico título “As alegrias da maternidade” (2018), nos conta sobre como é difícil ser mãe numa África patriarcal e empobrecida.
O mito do amor materno foi construído nas sociedades patriarcais e o patriarcalismo fixou a mulher na residência doméstica e delegou-lhe todos os cuidados com a casa e com os filhos. Nocivamente, determinou que apenas as mulheres são afetivas e os homens são naturalmente racionais. Afastou a mulher do mundo do trabalho e a colocou num lugar de submissão, impedindo que ela fizesse escolhas sobre seu corpo, sua vida, seu prazer.
A pílula contraceptiva e a inserção da mulher no mundo do trabalho, a partir dos anos 60/70, desencadearam transformações nesse cenário de desigualdade.
Mesmo assim, algumas características da maternidade na sociedade contemporânea geram dúvidas sobre a escolha de ser mãe. Muitos homens simplesmente não assumem os filhos, sendo muitos os casos de crianças que nem ao menos têm no registro de nascimento o nome de seus pais. As mulheres seguem assumindo as tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e o acompanhamento do desempenho escolar. Prevalecem preconceitos no mundo do trabalho com a mulher mãe e as políticas públicas de apoio à maternidade são incipientes.
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Todo esse sobrepeso da maternidade se constrói de forma conectada ao modo como a paternidade vem sendo exercida. E, nesse sentido, a luta pela igualdade de gênero também é a luta por melhores condições para o exercício da maternidade. Essa igualdade poderia produzir, por exemplo, a equiparação da licença paternidade à licença maternidade e a permissão de que homens possam se ausentar do trabalho para acompanhar os filhos ao médico.
A pandemia piorou muito a condição das mães brasileiras. Impactou economicamente os lares chefiados por mulheres, que tiveram sua renda diminuída ou praticamente excluída, desenhando a pobreza no Brasil com rosto de mulher, de mulher mãe, de mulher mãe negra e periférica.
Joana então se pergunta: como ser mãe quando os pais negam a paternidade? Como ser mãe desempregada e com falta de oportunidade de emprego para seus filhos? Como ser mãe e conciliar essa condição com a realização profissional? Como não ser mãe quando a cultura propaga a ideia de que a mulher só é feliz e completa sendo mãe?
Suponhamos, porém, que todas essas condições que sobrecarregam a maternidade fossem transformadas positivamente – ainda assim Joana deveria ter o poder de escolher ser ou não ser mãe. Ela é dona da sua vida, do seu corpo e dos seus afetos.
Parabenizo às mulheres que escolheram serem mães e as que optaram por não serem, todas elas igualmente corajosas no enfrentamento do que nossa sociedade apresenta a nós, mulheres.
Doutora em História, mestra em Educação e graduada em Pedagogia. Professora aposentada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mantém-se na luta cotidiana pela educação de qualidade, democrática e para todos.