Estela Lacerda
Você já esteve em uma festa, show, bar, transporte público ou mesmo na rua e foi tocada sem consentimento? Provavelmente, não precisou pensar muito para dizer “sim”, não é? Pois é, nem eu. Lembro de algumas situações, que não vou contar porque acho que não trariam boas lembranças pra mim e nem pra você.
Nesta última segunda-feira (12), uma pesquisa do IPEC e do Instituto Patrícia Galvão mostra que 45% das mulheres já foram tocadas sem consentimento em local público. Os dados fazem parte da pesquisa ‘Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas’. Esse estudo ouviu 1.200 pessoas. Dentre elas, 400 mulheres e 800 homens, a partir dos 16 anos.
Ao saber desses números, um dado alarmante é que, enquanto quase metade das mulheres declararam que tiveram seus corpos tocados sem que dessem autorização, apenas 5% dos homens contaram ter cometido esse tipo de assédio. Além disso, o levantamento mostra que 41% das mulheres foram xingadas ou agredidas ao falarem “não” para alguém interessada nelas.
Se eu te perguntasse se já sofreu algum tipo de assédio ao falar “não”, seja em um contexto de flerte ou mesmo no trabalho, com certeza você também não demoraria para confirmar, não é? Isso é triste, mas saiba: você não está sozinha!
Ao contrário da pessoa que sou hoje, eu fui uma criança muito introspectiva, que gostava de ficar quietinha no meu canto. Não gostava que adultos me pegassem no colo sem mais nem menos, apertassem minhas bochechas ou mexessem nos cachinhos dos meus cabelos.
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Eu só ficava no colo dos meus pais, de mais ninguém. Se qualquer outra pessoa me pegasse no colo, não importava nosso nível de proximidade, eu sempre abria o berreiro. Tão alto quanto minha risada é hoje.
Cresci sendo uma criança taxada de chata por não querer que ninguém me tocasse. Minha mãe nunca questionou isso. Se eu não queria ser tocada, ir no colo de tios ou amigos dos meus pais, que fosse assim e ponto.
O fato é que fui crescendo e tomando consciência de que era abusivo alguém me tocar sem que eu quisesse. Não sei dizer ao certo quando aconteceu. Foi aos pouquinhos. Na vida adulta, entendi que o nome disso era consentimento.
O problema é que nunca pensamos que uma criança, dependente de seus pais e das ações deles, pode ou não ser tocada, se tem o poder de consentir. Apenas tocamos as crianças, como se elas fossem objetos disponíveis. Com isso, as crianças podem crescer achando normal serem tocadas por pessoas próximas, até que em algum momento se sintam desconfortáveis.
Uma amiga que é mãe não permite que estranhos, ou mesmo parentes, fiquem pegando seus filhos e tocando neles. Claro que ela passa por “cricri” devido a isso. Independentemente de qualquer julgamento, acho corajoso que ela vá contra a corrente, em nome de respeitar a individualidade e o corpo da sua filha, mesmo vendo o descontentamento no rosto das pessoas.
Se não tocaríamos facilmente o corpo de uma adolescente ou de uma mulher adulta sem consentimento, por que podemos tocar o corpo de uma criança? E por que não nos questionamos a respeito disso?
Crescer sendo uma garota fechadinha, que não ia no colo de qualquer um, que se enfiava debaixo da cama ou dentro do guarda-roupa quando tinha visita em casa, me ensinou muito sobre consentimento, mas eu nem imaginava. Só ouvia as risadas e as acusações de ser “uma menina caipira e medrosa”.
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Minha mãe não me ensinou sobre consentimento, ela tinha pouca ou nenhuma informação sobre isso nos anos 80-90, mas respeitou minha vontade de não ser tocada por ninguém. Eu agradeço muitíssimo hoje!
O que quero dizer com tudo isso é que precisamos falar sobre consentimento com nossos filhos, sobrinhos, vizinhos, parceiros(as), ou seja, com qualquer pessoa. É extremamente importante.
Se quase metade das mulheres dizem que foram tocadas sem consentimento, que sociedade violenta é essa que vivemos? Se qualquer ato é feito sem permissão, ou sem ter consciência de que ele está ocorrendo, isso é assédio.
Além disso, é preciso destacar que silêncio não é consentimento. É preciso haver uma clara declaração de que queremos algo, além de consciência e poder de escolha de todas as partes. Sem deixar de mencionar, ainda, a liberdade de poder dizer “não” e ter essa decisão respeitada.
Não há receita para que as decisões das mulheres sejam respeitadas, mesmo com denúncias e rompimento de relações que se mostrem abusivas, por exemplo.
A legislação é punitiva, mas além de falha, não faz o papel de educar a mentalidade de toda uma sociedade ainda muito machista. Por isso, não podemos deixar de falar de consentimento para meninos e meninas, onde quer que estejamos.
Garotas como a que eu fui serão mulheres muito mais felizes e seguras a partir disso!
Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.