Dicas de Mulher
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“Tenho vergonha de falar em público, sou constantemente interrompida e isso está afetando meu desempenho no trabalho”. Essa poderia facilmente ser uma conversa sobre como adquirir autoconfiança. Eu também poderia compartilhar um apanhado de dicas para melhorar sua oratória que me ajudaram na carreira como jornalista. Porém, percebo que sua frase traz indícios de que não estamos falando simplesmente sobre ter ou não habilidades para discursar em público. O fato de você ser interrompida no ambiente de trabalho mostra que, assim como acontece com muitas outras mulheres, você está sofrendo um tipo de silenciamento.
Se uma vereadora, socióloga e no exercício da sua profissão, precisa se posicionar dizendo “não serei interrompida”, como aconteceu com a política Marielle Franco, isso só mostra como é desafiador se expressar em uma sociedade estruturalmente machista e patriarcal.
A prova de que vivemos em um contexto que não valoriza as mulheres e suas vozes estão comprovadas em estatísticas que apontam para a diferença salarial entre funcionários e funcionárias com a mesma formação e o baixíssimo número de lideranças femininas em cargos de poder.
Não à toa, nos sentimos intimidadas nesses ambientes onde a equidade de gênero parece uma realidade distante. Um estudo conduzido neste ano de 2022 pela empresa de consultoria norte-americana Mckinsey relevou que mulheres são mais suscetíveis a sofrerem de burnout, ou seja, estresse crônico provocado pela demanda do trabalho, do que os homens. Isso evidencia como o mundo corporativo pode ser nocivo para nós.
Por isso eu te pergunto: como é a equipe com a qual você trabalha? Existe equidade de gênero, diversidade e espaço para livre expressão? E indo mais profundamente, como foi sua educação em casa ou formação escolar? Houve momentos em que você sentiu que poderia falar sem julgamentos e que seria acolhida, ou foi ensinada a ser subserviente, passar despercebida e ser cautelosa com as palavras? Todas essas referências e experiências formam não apenas nossa personalidade, mas nossa capacidade de reagir a determinadas situações.
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Por séculos mulheres consideradas fortes foram julgadas, perseguidas e exterminadas. Infelizmente, não avançamos tanto quanto se supõe, vide o desfecho do silenciamento definitivo de Marielle. Além de mulher, ela era negra. E sabemos como essa intersecção entre gênero e raça nos torna alvo de ainda maiores agressões. A escritora Grada Kilomba, por exemplo, tem um livro importantíssimo onde discursa, entre outras pautas, sobre diferentes formas de silenciamento que a mulher negra sofre, desde a invalidação de suas criações até agressões de cunho moral e sexual. O livro se chama ‘Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano’ e é uma leitura essencial para todas, todos e todes.
Assim como ensina Grada Kilomba, incentivo você a exercitar seu direito de colocar no mundo seus pensamentos, pontos de vistas e ideias. Todos temos lugar de fala. O seu, enquanto mulher, é importantíssimo e pode trazer perspectivas que outros não captariam.
Esteja atenta também a atitudes machistas como a de homens que desejam explicar para mulheres coisas que nos são óbvias, de forma condescendente e infantilizada, como se fôssemos incapazes de acompanhar seu raciocínio. Há aqueles ainda que parecem ter a necessidade patológica de nos interromper, partindo do pressuposto de que não somos ágeis o bastante para chegar ao término de uma ideia, mesmo quando essa ideia foi concebida por nós mesma.
Em inglês essas situações levam o nome, consecutivamente, de mansplaining e manterrupting. Em casos graves, mulheres chegam a duvidar da própria sanidade, questionando se o que viveram aconteceu como elas acreditam ou da forma que a figura masculina em questão está tentando convencê-la, o chamado gaslighting.
Então, em vez de pensar que seu problema possa ser timidez ou medo, observe se os constantes julgamentos e microagressões não contribuíram para que você se fechasse. E não se esqueça, suas opiniões são válidas, riquíssimas e essenciais, pois ninguém além de você mesma seria capaz de criá-las. É um presente para o mundo poder conhecer o que sua mente produz. Vá em frente!
Sua amiga, Monique
Monique dos Anjos é jornalista, consultora antirracista e escritora de contos eróticos para mulheres. Com 20 anos de experiência na escrita de reportagens sobre o universo feminino, hoje estuda gênero e raça enquanto educa três crianças incríveis que a motivam a reconhecer a felicidade todos os dias e em todas as coisas.