COLUNA

Só tenho amigas brancas e isso acaba com minha autoestima

Dicas de Mulher

Se sentir diferente pode ser uma oportunidade incrível de reconhecer a nossa beleza sem usar outras pessoas como parâmetro

Recentemente me deparei com um conteúdo que falava sobre uma pesquisa na qual a conclusão era de que mulheres não gostavam de trabalhar com colegas bonitas. O que me chocou, porém, foi o desejo de incitar a rivalidade feminina que veio por parte de um dos homens que comentava esse estudo.

Ele dizia que profissionais consideradas atraentes intimidam, não são bem-vistas por outras e que nos causam insegurança. Esse é o mesmo tipo de pessoa que tenta criar tensão entre nós, como se a fama de sermos cruéis, competitivas e interesseiras tivesse outra raiz se não uma construção social machista. Portanto, partirei do princípio de que não estamos falando aqui sobre você invejá-las.

Outro ponto que você evidenciou foi a questão racial. Será que você é uma mulher negra? No Brasil temos tendência a olhar para raça de maneira binária como se só existisse a pessoa branca e a pessoa negra. Por isso não vou supor sua etnia. Mas entendendo que mulheres racializadas compartilham certas opressões da mesma forma, presumirei que você faz parte desse grupo tido como minorizado.

Se esse é o seu caso, você já deve ter percebido que até as interações sociais mais superficiais parecem caminhar rapidamente para hiperssexualização do seu corpo. Fazem suposições sobre nossa anatomia e associam nossa origem a determinadas performances sexuais altamente estereotipada.

Esse “desejo” que despertamos poderia ser visto como um estímulo para nossa autoestima. O fato é que tal objetificação tira nosso senso de humanidade e nos transforma em uma coisa, em alguém que serve para suprir vontades carnais, mas nunca para ser amada com plenitude.

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Portanto, minha proposta para conversarmos sobre sua inquietação é olharmos para ela sobre o prisma da interseccionalidade. Isso porque, assim como Angela Davis, Lélia Gonzalez, Neusa Souza Santos e tantas outras pensadoras negras, acredito que não seja possível discutir questões relacionadas a nós, mulheres, sem falarmos sobre machismo e racismo (além da questão econômica) junto.

Afinal, como pensar em aceitação sem falar da pressão estética que o patriarcado impõe? De que forma podemos dar dicas sobre como se empoderar sem considerar que tudo aquilo que não remete a uma cultura eurocêntrica costuma ser rechaçado? E mais… Como propor rituais de autocuidado quando estamos sobrecarregadas a ponto de esquecer nossa medicação, que dirá o creme hidratante?

Se você vive rodeada de pessoas que, diferentemente de você, são brancas, é provável que se sinta privada de afeto e de reconhecimento por não estar dentro do padrão de beleza da branquitude. Nada disso deveria ser medidor de como anda sua autoestima. Mesmo assim percebemos como nos deixamos influenciar pela falta do outro, pela não validação da nossa existência e por tudo aquilo que não nos entregam.

Que tal então nos concentrarmos no que temos e não no que falta em comparação com outros. Até porque, não estamos aquém de ninguém. Há anos campanhas como “negro é lindo” e “Movimento corpo livre” buscam mostrar como nossas diferenças são enriquecedoras. Acontece que essa mensagem não convence a todas. Como aceitar nosso corpo se ainda sofremos para encontrar numerações grandes na maioria das lojas? Como celebrar nosso tom de pele se, ao visitar lojas de maquiagem, os produtos nem sempre nos contemplam?

Para mim, o que permite com que eu ignore uma voz, às vezes discreta, às vezes barulhenta, dizendo que eu deveria mudar (seja o cabelo, o corpo ou minha essência) é entender que assim como eu fui ensinada a amar determinado tipo de beleza, eu posso aprender a reconhecê-la a partir de outras perspectivas.

Pode parecer clichê, mas o simples fato de você ser capaz de articular ideias, questionar a forma como a sociedade te enxerga e até mesmo reconhecer suas inseguranças é de uma força imensa. Seja mais generosa consigo. Escolha bem as palavras que você vai proferir quando falar de si. Observe, anote se for preciso, seus pontos fortes. Descubra onde estão seus atrativos, o que faz de você confiante, única e verdadeira.

Ou seja, veja beleza além da superfície. Cultue aquela que é atemporal e verdadeira. Mas não esqueça de celebrar também o que é visível aos olhos. Você é extraordinária e foi feita com excelência. Tudo o que você traz consigo, sua história, suas paixões e escolhas são valiosas. E reconhecer isso só multiplica esse valor.

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Também te encorajo a estar mais próximas de pessoas como você. Seja se conectando com as que tenham princípios e afinidades em comum. Seja convivendo com aquelas cuja pele lembram a sua, com cabelos que remetem ao seu e origens que você reconheça como algo familiar.

Essa é uma sugestão audaciosa, eu sei. Não desejamos mais segregação, mais convivências isoladas em bolhas. Minha proposta é, na verdade, um convite ao aquilombamento. A ideia é encontrar fortalezas a partir do agrupamento, com a ajuda do coletivo. Tem a ver com compartilhar não só dores, mais conquistas e, principalmente, ver de fora a beleza que você já carrega em si. Espero, verdadeiramente, que essas sugestões possam provocar em você uma reflexão que vá além das pessoas com quem você anda, mas que te apresente a si mesma quem você é de fato.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Monique dos Anjos é jornalista, consultora antirracista e escritora de contos eróticos para mulheres. Com 20 anos de experiência na escrita de reportagens sobre o universo feminino, hoje estuda gênero e raça enquanto educa três crianças incríveis que a motivam a reconhecer a felicidade todos os dias e em todas as coisas.