COLUNA

Vá ler um livro!

Thays Pretti

A literatura é irmã da fofoca, mas também é uma grande ferramenta de transformação

Em 30.06.22

Não sei vocês, mas eu adoro promessas de ano novo. Sempre tem uns dois ou três “esse ano eu vou…” na minha cabeça na hora de estourar a espumante e fazer o brinde, mesmo que raramente consiga levá-los até muito além de fevereiro ou março. Não dizem que o que importa mesmo é a intenção? Começo meus anos muitíssimo bem-intencionada. Meu único problema é que tive bronquite na infância: minhas intenções têm pouco fôlego.

Neste ano, porém, parece que as coisas estão diferentes. Uma das decisões que tomei na entrada de 2022 é que não só leria mais, como passaria a registrar minhas leituras de modo mais sistemático. Hoje, 30 de junho, o famigerado último dia do primeiro semestre, posso dizer que avancei bem nessa proposta.
Não sei se isso tem a ver com a inflação disparada e o custo de vida nas alturas que diminui a concorrência da leitura com viagens, passeios e rolezinhos, mas o fato é que fecho este semestre com 30 livros lidos, alcançando uma média de cinco por mês. Isso trabalhando 40 horas semanais. Já li mais do que isso em outros contextos pessoais e sei que há quem consiga uma média maior, talvez nas mesmas condições, mas, confesso, fiquei bem orgulhosa de mim.

Continuo não tendo uma fila de leitura muito clara, passando de um livro para outro a depender da vontade no dia, como sempre fiz, mas consegui registrar religiosamente tudo o que eu li e resenhei cada leitura. Yey!

Para além dessas pequenas vitórias, este semestre reforçou e deixou ainda mais evidente para mim algumas coisas que eu penso sobre livros e leitura. A primeira delas é: para aumentar a quantidade de obras lidas no ano, é preciso conseguir e querer renunciar a outras coisas.

Eu sei que parece óbvio, mas às vezes a gente se cobra muito e nem se dá conta desse ponto. Para ler o quanto li, eu assisti a muito menos filmes, não acompanhei séries, evitei um pouco as redes sociais. Precisei trabalhar a consciência de que o meu tempo é limitado e tenho outras atividades: academia, mercado, cuidar da casa, estudar, escrever, visitar família, encontrar amigos. Temos que fazer escolhas.

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Outra questão importante é que eu só leio bastante porque leio o que eu gosto. Se quero ler mais (considerando quantidade de livros), não adianta eu me forçar a ler coisas que acho chatas ou desinteressantes – ainda que isso seja bom ocasionalmente, para ampliar nossos horizontes de expectativas, e necessário em certas ocasiões, como no caso de estarmos fazendo algum curso com uma bibliografia mais densa.

Tenho, por exemplo, muito mais facilidade de ler literatura do que biografias ou livros de não ficção. Não é que eu não goste: dois dos melhores livros que li este semestre se enquadram nesses gêneros (ou seja, sigo variando o que leio, apesar de nem sempre curtir). A questão é que sei que preciso estar em um estado de espírito muito específico para essas leituras e me permito abandonar o livro se ele não me envolve até uma determinada altura do texto.

Também não quer dizer que aquele livro abandonado esteja perdido para sempre: às vezes, tento novamente após meses (ou anos) e a leitura flui. Isso tem a ver com fatores psicológicos, a vibe do momento, leituras anteriores, maturidade, etc. É o que chamo “momento do livro”. Para mim, algumas obras têm os momentos ideais para nos alcançar. Quando uma leitura não flui, pode ser que apenas não seja ainda a hora daquele livro. Um dia, ela pode chegar.

Outra percepção importante durante este semestre foi: ler muito não me faz especial, mas pode me tornar uma pessoa melhor por ampliar minha visão, minha empatia, minha capacidade de reflexão. Não é um atributo exclusivo da leitura, porém. A arte, de modo geral, tende a nos levar a esse lugar de abertura e crescimento. Os livros são apenas o meio que eu escolhi para alcançar o mundo e deixar ele me alcançar.

Literatura e… fofoca?

Falando em alcance, sempre ouvimos que o Brasil não é um país de leitores. Existem várias questões dentro dessa frase, como o analfabetismo funcional, a falta de letramento literário, além de várias questões sociais e econômicas que acabam mantendo o livro como um “objeto de luxo”.

Só que, na verdade, acredito que os brasileiros sejam mais leitores do que pensam. Com o avanço da internet e das redes sociais, uma parte gigantesca do nosso contato com o mundo se faz via texto: em sites, no Google, nas redes sociais. Ao mesmo tempo, os brasileiros, assim como todo ser humano, são curiosos, amam histórias e saber (ou divagar sobre) a origem das coisas.

Sabe quando brincamos nas redes sociais dizendo que a fofoca é que move o mundo? Não está de todo errado. Afinal, fofocas são histórias e elas, sim, movem o mundo. Reais ou inventadas, contadas em livros, séries, filmes, podcasts, no WhatsApp e na beira do muro da vizinha. A curiosidade e a criatividade estão em tudo, mesmo sem notarmos. Nessa perspectiva, a literatura, no fim, é tão somente uma irmã elaborada da fofoca.

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Tendemos a sacralizar os livros (e os escritores) e, quando o fazemos, os distanciamos do que eles são: histórias e contadores de histórias (ou, se quiserem, fofoquinhas e fofoqueiros). Familiarizar o livro, pensar nele como uma atividade agradável e corriqueira já tira metade de sua “dificuldade” e o faz fluir melhor.

Digo isso para ilustrar que eu só consegui ler o que li neste semestre porque os livros me são tão familiares que a expectativa de lê-los, o contato com seu material e a fruição da obra passam a ser prazerosos. Isso a ponto de, às vezes, eu estar assistindo a um filme e pensar: “ah, eu poderia estar usando esse tempo para ler um livro”.

Não imagino quais tenham sido suas promessas de ano novo, mas, se você também desejou ler mais neste ano, talvez um dos primeiros passos seja essa dessacralização e deselitização do livro. Trazê-lo ao rés do chão, para perto, para a presença. É importante lembrar que há uma pessoa por trás de cada livro e ela ri, chora, dorme. Já pensou nos seus escritores favoritos com soluço? Pois eu já. E garanto: lembrar que Dostoiévski também tem soluço vai deixar ‘Crime e Castigo’ mais acessível e palatável.

Que o próximo semestre nos dê sorte para realizar promessas e desejos de ano novo. Afinal, muita coisa vai rolar: Eleições, Copa do Mundo… No meio dos preparativos e expectativas para um e outro, que tal encaixar uma leitura?

Aliás, se os livros já estivessem mais naturalizados e deselitizados no nosso cotidiano, talvez o Brasil já tivesse resolvido muitos dilemas, como as ditas “pautas morais” que ainda decidem eleições e reforçam preconceitos e as mais variadas violências.

Então, com todo amor do mundo, eu digo: vá ler um livro!

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três. Escrevo a newsletter Versilibrista.