COLUNA

Você é feminista nas suas escolhas alimentares?

Dicas de Mulher

Apoiar um sistema alimentar saudável exige olhar para quem está por trás do alimento que escolhemos consumir

Em 03.10.22

Desde que o acesso à alimentação saudável passou a ficar ameaçado, tornou-se fundamental fazer escolhas alimentares de forma consciente e crítica. Isso significa olhar para quem está por trás daquele alimento que decidimos comprar: uma cooperativa de agricultoras familiares, um assentamento quilombola, a indústria de alimentos ultraprocessados, e por aí vai.

É igualmente importante refletir sobre qual sistema alimentar estamos apoiando quando fazemos nossas escolhas. O sistema alimentar se refere a todos os processos envolvidos na produção, distribuição, comercialização, acesso e consumo de alimentos. Olhar para esse sistema implica em analisar o alimento para além das suas funções biológicas e nutricionais. Ele pertence à cultura do meu país?

Ao comprá-lo, quem está sendo favorecido: uma cooperativa que cultiva alimentos saudáveis e variados com consciência socioambiental ou uma indústria que polui, adoece a população com os seus produtos e remunera mal seus trabalhadores? E o chocolate “vegano”, produzido com cacau obtido a partir de trabalho infantil, é saudável para quem? E a cápsula de café que polui o ambiente? Não seria melhor coar o café cultivado pelas cooperativas de agricultoras familiares do meu estado?

A ética e a ideologia política deveriam sempre motivar nossas escolhas alimentares. Para isso, informações claras precisariam estar disponíveis para o consumidor: como a matéria-prima foi obtida, de onde ela veio, como são as condições de vida daqueles envolvidos na produção, qual o comprometimento de quem produz o alimento com o ambiente e os trabalhadores etc. No entanto, nem sempre existe essa transparência na cadeia produtiva dos alimentos.

Como agravante, é comum o uso do marketing disfarçado de informação. É o que observamos no pacote de hambúrguer vegano ultraprocessado, que se apresenta como “artesanal” e “plant-based” (feito de plantas). Consultando a lista de ingredientes do produto, uma infinidade de aditivos químicos (como aromatizantes e emulsificantes) estão presentes, além de ingredientes com cultivo nocivo ao ambiente (como a soja e o milho). Pesquisando sobre o fabricante desse hambúrguer vegano, você descobre ser um frigorífico com grande responsabilidade no desmatamento da Amazônia.

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Como nutricionista e entusiasta por gastronomia, sempre tento analisar criticamente a coerência do discurso das iniciativas que dizem promover a alimentação saudável. Lembrando que aqui nesta coluna o conceito de alimentação saudável abriga muito mais do que equilíbrio nutricional. A alimentação saudável é aquela assumida como um ato e um direito social, que preserva o meio ambiente e a cultura da população.

No município de São Paulo há alguns exemplos interessantes de iniciativas coerentes. O restaurante da Marlene em Parelheiros destaca-se pela oferta de alimentação saudável preparada com alimentos cultivados na região, sendo muitos deles orgânicos. O cardápio é rotativo e composto essencialmente por preparações culinárias da cultura paulista, como tutu de feijão, farofa de couve, moqueca de peixe e pudim de tapioca. Marlene utiliza diversos ingredientes da Mata Atlântica fornecidos pelos agricultores da região, como o cambuci e outros frutos. Ao adquirir ingredientes desses agricultores, Marlene valoriza quem produz alimentos saudáveis na região. Diante da iniciativa sustentável, que se destaca na região, o restaurante integrou o ‘Guia gastronômico das quebradas de São Paulo’, conhecido como Prato Firmeza.

Para apoiarmos um sistema alimentar mais saudável, é importante reconhecermos o ambiente em que estamos inseridas, onde podemos comprar alimentos frescos para cozinhar e preparações culinárias para consumir, e quem está por trás desse alimento que decidimos comprar. Se eu posso apoiar a agricultora do meu município, por que fazer a feira no hipermercado? Se eu posso adquirir um pão artesanal feito pela Dona Maria do meu bairro, que utiliza ingredientes frescos da agricultura familiar, por que comprar o pão ultraprocessado feito por uma grande corporação?

Comer definitivamente é um ato político. E as nossas escolhas alimentares calibram toda uma engrenagem do projeto de país que desejamos.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Nutricionista doutora em Ciências e defensora do Guia Alimentar para a População Brasileira. Adora cozinhar, explorar novas culturas alimentares e fazer conexões com a natureza e as pessoas.