Sociedade

Consentimento: entenda por que não é não e ponto final

Dicas de Mulher

Atualizado em 06.09.23
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Atualmente, a violência contra a mulher, a educação sexual e os direitos femininos são pautas muito abordadas nas mídias. Entre esses assuntos, o termo consentimento surge com frequência causando dúvidas e discussões. Pensando nisso, o Dicas de Mulher convidou a psicóloga especialista em psicologia forense, Sabrina de Marchi, e a advogada especializada em defesa de mulheres no direito de família, Junia Cavalcante Silva Santos, para esclarecer esse tema tão importante. Acompanhe!

O que é consentimento?

Pode parecer que não, mas essa palavra de 13 letras e 5 sílabas carrega consigo um significado importante. De acordo com a psicóloga Sabrina, consentimento diz respeito “ao ato de você conseguir expressar que está apta para consentir naquele momento, ou seja, que você realmente quer aquilo de forma genuína, espontânea e natural”. Complementando essa ideia, a advogada Junia Cavalcante ressalta que, quando se fala em consentir, “estamos falando do ato de permitir e de aprovar um pedido”, seja ele a respeito de uma relação sexual ou não.

Do ponto de vista jurídico, como conta a advogada, principalmente quando se trata da apuração de crimes sexuais, “a caracterização do consentimento se dá quando a vítima não tem a capacidade de compreender ou aceitar conscientemente o ato”. Assim, o consentimento só é estabelecido de forma consciente e pode ser expresso por meio de palavras, gestos e expressão corporal.

Apesar de um significado teoricamente simples, a interpretação social referente ao ato de consentir pode ser distorcida. Sobre isso, a psicóloga Sabrina de Marchi esclarece que “nas relações sociais e sexuais com parceiros íntimos, as condições se apresentam de outras formas, sempre demandando muito das mulheres”, uma vez que o papel social feminino foi construído a partir de uma ótica machista e patriarcal.

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Desse modo, Marchi explica que as mulheres, muitas vezes, acabam por ceder mesmo não concordando ou tendo dúvidas acerca da relação. Além disso, “muitas coisas podem parecer um sim quando não se consegue dizer não, mas essas são reações que mulheres aprendem a ter”. Por esse motivo, o consentimento, em suas “diversas camadas para além do significado social comumente conhecido, acaba por não existir em todos os contextos da vida das mulheres”, o que torna a discussão do assunto ainda mais relevante socialmente.

Por que o consentimento é importante?

Ambas as profissionais concordam que a compreensão do significado de consentimento é extremamente importante. A advogada pontua que educar a sociedade sobre limites, respeito e consentimento é fundamental, pois há uma dificuldade histórica para compreender o que realmente é permissão, além “dos estereótipos de gênero que relativizam a violência contra a mulher”.

De acordo com a psicóloga, é importante frisar que o consentimento não condiz somente às relações sexuais. Assim, entender as nuances do termo ajuda a mulher a se posicionar como sujeito ativo em suas relações, bem como enxergar que ela possui direitos e desejos.

Quem é capaz de consentir?

Em termos legais, como dito anteriormente, “o consentimento somente pode ser dado por pessoas que estejam plenamente lúcidas e capazes”, ressalta Junia Cavalcante. Além disso, a especialista esclarece que crianças e adolescentes com até 14 anos não são consideradas aptas para consentir relações sexuais, “pois sua vontade e atitude não são consideradas juridicamente válidas”.

Outro fator importante elucidado pela advogada é que “qualquer interferência externa, seja por substâncias ilícitas, álcool, ameaças ou coação, contamina o consentimento”, assim, ele é invalidado, pois a pessoa se torna vulnerável e impossibilitada de consentir plenamente. A psicóloga acrescenta que o autoconhecimento, bem como as habilidades sociais e interpessoais potencializadas são importantes para definir se uma pessoa está em sua capacidade de consentir.

Consentimento em relacionamentos

Estar em um relacionamento torna o consentimento garantido? Para a advogada, ao contrário do que muitos acreditam, “estar em um relacionamento não significa que alguém deva ser obrigado a praticar qualquer ato que não queira”. A partir disso, Junia Cavalcante pontua que nenhuma mulher deve se sentir pressionada para ter relações sexuais com o parceiro quando não se sente confortável.

No entanto, Sabrina de Marchi esclarece que, na prática, em relacionamentos heterossexuais, é comum ver os homens expressarem sua insatisfação com a recusa da parceira, o que pode ser compreendido como “estratégia de coerção sexual naturalizada”. Esse comportamento, molda “a noção de consentimento sexual da mulher na relação, muitas vezes, ela cede às tentativas do homem para evitar conflitos e não desagradar o parceiro”.

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A ideia de consentimento está muito atrelada à posição social das mulheres. Nesse sentindo, a especialista em psicologia forense afirma que é necessário compreender “como funciona a reação de submissão a partir do poder que os homens representam socialmente e das funções que a classe sexual feminina é ensinada a ter”. Além disso, ela destaca a importância da permissão ser manifesta de “forma expressiva, com verbalização, gesticulação ou expressões faciais”.

Quem cala, consente?

A expressão “quem cala, consente”, muito utilizada popularmente, gera implicações diretas quando se trata da interpretação do que é consentir. Para a psicóloga, “diante do imaginário social, o ‘não’ significa apenas reagir negativamente e verbalizar que não, não quer mais”. A consequência disso é a compreensão de que o silêncio é uma confirmação ou permissão. Mas não, “na verdade, quem cala não está consentindo”, afirma a especialista.

Complementando essa afirmação, a advogada conta que “quem cala, pode estar confuso ou intimidado, mas não consentindo com algo”. Por isso, é importante não ignorar os sinais de recusa ou desconforto com a situação, uma vez que “também fazem parte da comunicação”. Aliás, mesmo que o ato seja consentido previamente, pode haver perda do desejo sexual e da continuidade da relação. Nesses casos, a pessoa que estiver se sentindo desconfortável precisa se perceber livre para interromper o momento íntimo quando quiser.

Vídeos esclarecendo dúvidas sobre consentimento

Após conhecer o significado e as implicações sociais do termo consentimento, aprofunde-se um pouquinho mais no assunto. Na seleção de vídeo abaixo, especialistas abordam o tema, falam sobre leis, educação sexual entre outros pontos importantes.Consentimento e violência sexual, o que a lei diz?

Para entender mais sobre o conceito de consentimento, assista ao vídeo do canal Direito Delas. As youtubers falam sobre a violência sexual em todas as suas esferas. Além disso, elas esclarecem o funcionamento da lei.

Qual a relação entre educação sexual e consentimento?

O respeito e a compreensão dos limites têm tudo a ver com educação. É justamente esse assunto que a Carol Lopes, do canal Criar e Crescer, explora nesse vídeo. Entenda como proteção, segurança e consentimento são importantes desde a infância.

O príncipe e o consentimento

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Por meio do humor, o canal Porta dos Fundos aborda as implicações sociais do consentimento. É interessante notar como alguns contos de fadas cristalizam ideias machistas. Assista ao vídeo!

A advogada Junia Cavalcante destaca que a dificuldade para interpretar e respeitar o consentimento é consequência de uma sociedade machista. Por esse motivo, ela ressalta a importância da educação sexual desde a infância. A psicóloga Sabrina atenta para a compreensão da heterossexualidade compulsória e deixa a indicação de algumas autoras importantes, como Adrienne Rich e Audre Lorde, para quem deseja se aprofundar no assunto: “é urgente que mulheres estudem sobre heterossexualidade compulsória e compreendam, por meio das suas experiências subjetivas, como esse instrumento de poder patriarcal afeta a noção de consentimento”.

Uma relação sexual precisa ser desejada e consentida para ser prazerosa e satisfatória. Além do termo aprendido nessa matéria, há vários outros que permeiam as lutas das mulheres. No glossário feminista, você confere um pouquinho mais sobre as pautas que estão em debate atualmente.

Psicóloga apaixonada por literatura e psicanálise. Acredita que as palavras, escritas ou faladas, têm o poder de transformar.