Dicas de Mulher
Você já ouviu falar da cultura do cancelamento? O termo ganhou popularidade nos últimos cinco anos, mas nem todos realmente entendem do que se trata. Nesta matéria, confira as explicações da socióloga Bárbara Almeida sobre o tema, bem como alternativas para exercitar a empatia.
O que é a cultura do cancelamento tão discutida atualmente?
Segundo a socióloga, a “cultura do cancelamento é uma ideia contemporânea difundida pelas redes sociais que consiste em boicotar alguém que teve uma atitude vista como ruim ou questionável. O cancelamento acontece, principalmente, com pessoas famosas ou influentes da internet”.
Esse fenômeno ganhou força a partir de 2017, quando a atriz Alyssa Milano pediu para que quem já tivesse sofrido assédio sexual compartilhasse sua história com a hashtag do Movimento Me Too. As denúncias cresceram e muitos homens foram “cancelados” pelos crimes cometidos. Com o avanço das redes sociais, esse cenário encontra o contexto perfeito para cada vez mais se proliferar.
Principais motivos que levam ao cancelamento
Bárbara elucida que alguém é cancelado quando promove “atitudes ou falas opostas ao que a sociedade ou um determinado grupo de pessoas considera correto atualmente”. Um exemplo foi o caso da cantora Karol Conká. Ao participar do Big Brother Brasil em 2021, ela teve atitudes quesitonáveis, que resultaram em 99,17% dos votos pedindo sua saída. Nesse caso, boa parte da população brasileira não concordou com as ações da cantora.
O cancelamento pode ocorrer por questões sérias, como crimes cometidos contra mulheres, pessoas negras ou LGBTQIA+, falas e atitudes que reforçam o machismo, homofobia, gordofobia, xenofobia e etarismo. Porém, ao mesmo tempo, ele pode surgir de eventos banais, como falar mal de uma cantora pop ou uma série da moda, por exemplo.
Cada caso é um caso, mas o cancelamento se baseia na opinião de pessoas que possuem seus próprios conceitos de certo ou errado – fora casos criminais. É essencial entender o contexto do país, suas leis e estrutura social.
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Consequências atuais dessa cultura
As consequências do cancelamento variam. “Quando alguém é cancelado, podemos ver dois lados da situação”, diz Bárbara. Enquanto a sociedade busca compreender valores, a pessoa julgada pode sofrer com problemas psicológicos e desprezo. No caso de uma celebridade, a perda de patrocínios e contratos de marcas abala sua carreira significativamente.
Para Karol Conká, por exemplo, as consequências foram graves. A cantora relatou que teve depressão, crises de pânico e recebeu ameaças de morte. Por se tratar de uma mulher negra, sofreu racismo e disse não encontrar perdão, mesmo pedindo desculpas diversas vezes.
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Depois desse episódio, uma questão veio à tona: qual o limite do cancelamento? Essa pergunta pode ainda não ter uma resposta certeira, mas precisa ser levantada. Afinal, quantas desculpas são necessárias para que o cancelado seja “perdoado”? Quando sua vida pode retornar ao “normal”?
Lembrete
Em casos de crimes e preconceitos, o cancelamento incentiva uma mudança social, para impedir que atitudes e falas degradantes continuem a repercutir. No entanto, é preciso ter em mente que o linchamento virtual traz danos psicológicos e causa sofrimento.
Outra consequência dessa cultura é o medo do cancelamento, sentido principalmente pelos famosos. Com isso, eles se reprimem e agem de acordo com o que é socialmente aceito, omitindo suas verdadeiras opiniões.
Quem são os alvos do cancelamento
Bárbara reforça que “minorias sociais tendem a ser canceladas mais facilmente, especialmente pessoas negras. A sociedade é muito mais tolerante com homens brancos, ricos e heterossexuais”. Isso acontece porque a sociedade já trata pessoas pobres, negras, LGBTQIA+ e mulheres com desvalorização. Em um momento de cancelamento, as pessoas se veem com mais liberdade de linchar, diminuir e apontar erros.
Um exemplo disso é o que aconteceu com o cantor Rodolffo, que também participou do BBB 21. Dentro da casa, o cantor teve falas abertamente racistas, inclusive com chamada de atenção da produção do programa. Porém, quando saiu do reality, sua música estava em alta e sua carreira se manteve plena.
Esse foi só um exemplo de como o cancelamento difere para os homens héteros, cis e brancos. Conclui-se que, na prática, o tribunal da internet tem pesos e medidas diferentes para a pessoa cancelada da vez.
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Questionando esse fenômeno
Como você pode ter percebido, a cultura do cancelamento traz muitos questionamentos e, por vezes, conclusões ambíguas. A socióloga esclareceu algumas dúvidas pertinentes, para ampliar a discussão sobre o tema. Veja as respostas a seguir:
O cancelamento é algo benéfico? Realmente funciona?
Não existe apenas uma resposta para essa pergunta. Cancelar uma pessoa somente pelo ato prazeroso de julgar não faz sentido e não beneficia ninguém. Contudo, essa cultura traz um foco para preconceitos antes ignorados – existe uma crítica social que motiva o coletivo a melhorar.
Para a socióloga, “é benéfico a sociedade questionar mais as atitudes e falas das pessoas, principalmente famosos e influentes, que agem de maneira preconceituosa. Entretanto, durante o cancelamento, a sociedade esquece que está lidando com pessoas, então é algo que pode tomar proporções perigosas”.
Sendo assim, essa cultura não é de todo ruim, mas várias perspectivas devem ser analisadas. O cancelamento pode ter tanto uma função pedagógica positiva quanto ser apenas uma agressão gratuita.
É preciso cancelar as pessoas?
Bárbara explica que, hoje em dia, “o conflito de opiniões é esperado. Há casos de abuso sexual, por exemplo, que ganharam visibilidade por meio dessa cultura. Há também famosos que até então eram intocáveis, mas a sociedade começou a bater de frente com eles. Porém, entenda que o linchamento virtual ainda afeta muito mais as minorias sociais, que são mais vigiadas que os demais”.
Todo ser humano está suscetível a erros, mas todos precisam de chances para aprender e evoluir. O linchamento virtual pode não servir de aprendizado, então o melhor é caminhar para o diálogo, em um mundo que prioriza o respeito.
Por quanto tempo dura um cancelamento?
Normalmente, o cancelamento acontece por poucos meses. “No geral, é algo que dura pouco e logo é esquecido, já que na sociedade atual as coisas são muito fluidas”, complementa Bárbara.
Toda discussão a respeito dessa cultura ainda é recente, mas é importante pensar sobre. Agora, você pode estar se perguntando se existem alternativas para esse fenômeno. Continue a leitura e saiba mais!
Alternativas para o cancelamento que provocam a verdadeira mudança
Se a cultura do cancelamento ainda apresenta malefícios à sociedade, o que pode ser feito de diferente? Confira abaixo algumas alternativas a essa cultura que funcionam de forma positiva.
1. Conscientização e educação
Uma maneira de diminuir preconceitos e, consequentemente, cancelamentos, é trabalhar questões raciais, de diversidade e inclusão – pautas essenciais para minorias desde o ensino básico. A educação é um pilar dentro de uma cultura, possibilitando a desconstrução de ideais antes impostos e a conscientização.
Bárbara lembra que “o correto em uma sociedade pode não ser em outra. Entender as limitações é necessário. A cultura do cancelamento ainda é uma grande oportunidade de debater mais sobre atitudes racistas e machistas”.
2. Diálogo
Dialogar e ter espaços coletivos, como plataformas online, grupos de estudo, fóruns de discussão e conversas saudáveis é essencial para que uma sociedade avance. Dessa forma, é possível alcançar lugares e teorias que não existem quando o linchamento virtual, ódio e agressividade se instalam.
3. Respeito e empatia
O respeito é básico e o fator principal para uma troca consciente e saudável com alguém. Além disso, para ter uma escuta ativa, é preciso empatia, ou seja, se colocar no lugar do outro. Assim, é possível construir pontes ou, mesmo com divergências, compreender e respeitar.
4. Responsabilidade e retratação individual
Uma alternativa interessante para não perpetuar o ciclo do cancelamento é possibilitar a retratação do indivíduo cancelado. Oferecer uma chance de melhoria e evolução pode ser mais construtivo que oferecer apenas linchamento, e a probabilidade de a pessoa cometer o mesmo erro no futuro é menor.
5. Foco na mudança social
É preciso ter atenção para o que importa, ou seja, utilizar essa cultura para influenciar positivamente. Por exemplo, ao invés de cancelamentos por causas banais, o foco precisa ser questões coletivas e estruturais. Então, concentrar-se nessas pautas ajuda na construção de uma sociedade mais igualitária e inclusiva.
As pesquisas, leituras e discussões acerca da cultura do cancelamento são de suma relevância para formar uma sociedade crítica. Para obter mais perspectivas, leia também sobre como ter uma relação saudável com a internet.
Aline Saab
Graduada em Comunicação e Multimeios, o amor pela escrita vem desde a adolescência. Apaixonada por música, podcasts, filmes e viagens. Defendo a comunicação não-violenta e tenho fé no futuro das newsletters. Acredito no poder da comunicação escrita.