COLUNA

“Desculpa qualquer coisa!”

desculpa qualquer coisa

Como ser autônoma e independente me tornou uma metralhadora de erros

Tomar as rédeas da própria vida talvez seja o desejo (consciente) da maioria das mulheres. Foi nisso que eu acreditei desde muito cedo: que ser independente me protegeria das mazelas do mundo, da vontade do outro sobre mim e me tornaria uma mulher feliz. E isso aconteceu, em partes.

Estudei, trabalhei, me mudei, estudei mais um pouco, ganhei algum dinheiro, namorei, rompi, conquistei espaços, mudei de carreira, viajei, fiz e continuo fazendo uma série de coisas para viver de modo autônomo. A liberdade tem um preço alto, que implica compreender as regras do jogo, perder um milhão de partidas para, de repente e depois de muito tempo, começar a jogar bem.

O peso de ser livre

Falando em regras, a própria filosofia de Kant, grosso modo, entendia a autonomia como a capacidade de criar e seguir as próprias leis, desde que elas sejam fundamentadas na razão e possam valer universalmente. Mas, na prática da vida, ser autônoma é mais caótico do que a filosofia prevê.

Ser autônoma significa estar em constante embate com as minhas escolhas: ao mesmo tempo em que me dou as leis, sou a primeira a infringir algumas delas. No labirinto de liberdade e responsabilidade, erros se acumulam – decisões tomadas com pressa, palavras ditas na hora errada, relações deixadas de lado porque o trabalho parecia mais urgente.

É nesse emaranhado que “desculpa qualquer coisa” vira o bordão de quem tenta equilibrar o peso de ser livre com a leveza de ser humana.

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Criar para viver

Penso que pedir por autonomia seja, automaticamente, pedir para errar. A gente só cresce errando e, para sair livre por aí, é preciso encarar problemas de adulto, daqueles que você só resolve porque não tem outra opção. É preciso pagar os boletos, alimentar os filhos, lidar com os hormônios, atender e fugir dos padrões, entender que a justiça é feita por homens e para homens, o mundo é desigual e você vai estar do lado mais fraco da corda quando ela arrebentar.

Nessa montanha-russa, entendi que ser autônoma na vida adulta implica ser criativa como uma criança. É puro mito essa história de que a criatividade nasce do ócio e, “pá! Eureka!”, porque, na verdade, a criatividade nasce de um problemão do qual você não pode fugir. E, ao não poder fugir, você vai estar sempre sopesando se é melhor perder aqui ou ali, trabalhando no modo “contenção de danos” e errando todo dia até acertar um pouco ao encontrar alguma resposta.

Tenho amigas que escolheram se divorciar de casamentos tóxicos e que usam a criatividade todo dia pra dar conta dos filhos que os ex-maridos deixaram pra trás; outras trabalham melhor do que Pablo Picasso e criam de maneiras geniais formas de esticar o orçamento até o final do mês; ainda há aquelas que fazem malabarismo pra desviar do colega de trabalho sem noção…

No meio de tudo isso, criando e recriando formas de existir, aparece uma bancada cheia de gente pra dizer que estamos errando e o que devemos fazer com o nosso corpo, com a nossa vida, porque, afinal, não estamos atendendo ao que esperam de nós: docilidade, dependência e conivência.

É melhor pedir desculpas do que permissão

A autonomia é um ato revolucionário, mas também é um campo de batalha. Ser autônoma não é só fazer o que se quer, é ter que fazer o que é necessário, reinventando a roda a cada dia. No meio disso, o erro é inevitável, mas não é um fracasso. No final das contas, escrevi esse texto em época de fim de ano pra gente ter um propósito maior pro ano que vem.

Quero dizer a você, leitora, que em qualquer caminho por onde passar, você vai errar – isso é estar em movimento. Você pode ser uma metralhadora de erros e, sendo mulher, não parece ser tão simples dizer “se fui inconsequente, peço desculpas”. Mas penso que não é tão simples porque temos muitas culpas e estamos nos martirizando demais ao errar.

Então, uma meta pro ano que vem é se permitir errar mais – ao invés das listas cheias de coisas pra acertar. Prepare-se para fazer muita coisa errada nos próximos tempos, e alcançar autonomia, independência e liberdade. Quando tudo apertar, o melhor que você tem a fazer é segurar firme e seguir sem pensar muito, nem pedir permissão, igual criança criativa que transforma qualquer coisa em brinquedo. Pro ano que passou: “desculpa qualquer coisa…”, estamos prontas para o que vem!

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* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.