Na última quinta-feira (19), Tallis Gomes decidiu mais uma vez fazer polêmica para ganhar palco. Em pleno 2024, época em que as grandes organizações priorizam a equidade de gênero (inclusive por meio do Pacto Global da ONU), o CEO e presidente do conselho da G4 decidiu responder a um seguidor, dizendo que não estaria noivo se sua companheira fosse – assim como ele, pasmem – uma CEO.
Dentre as justificativas mais esdrúxulas e misóginas, trouxe à sua fala o argumento de que mulheres nessas funções passariam “por um processo de masculinização”, colocando o lar em 4º lugar, o esposo em 3º plano e os filhos em 2º plano. Confesso que a primeira coisa que me passou à mente é a dificuldade em priorizar um homem deveras carente, com uma necessidade intensa de ser o número 1 da vida de uma mulher, independentemente da posição que se ocupe profissionalmente nesta vida. Mas seguimos à análise das palavras, sem tanta exaltação.
A infeliz colocação de Tallis Gomes é um reflexo de toda uma rede de discursos que vem atravessando as relações profissionais e matrimoniais heteronormativas, que já não encontram no antigo modelo familiar uma forma de sobrevivência. Quando as mulheres saíram para o mercado de trabalho, compreenderam que ser gestora, líder ou CEO de uma empresa era menos penoso que o próprio trabalho doméstico (esse que não tem hora pra acabar, promove isolamento social e não é remunerado). O preço de estar nos lugares de liderança seria, sim, criar uma casca – nisso eu concordo com o rapaz. Mas essa casca, de acordo com ele, foi culpa do feminismo, o bicho-papão dos homens que estão com medo das mulheres cascudas.
De acordo com Tallis, “O mundo começou a desabar exatamente quando o movimento feminista começou a obrigar a mulher a fazer o papel de homem”. Veja: para ele, a “casca” que a mulher cria para ser CEO não é para se proteger de falas machistas, abusos sistemáticos e descredibilização em série. E, ainda, para ele, uma mulher não é capaz de vestir uma casca (infelizmente necessária) para trabalhar e despi-la quando chegar em casa. Pelo jeito, para ser esposa dele, uma mulher não pode se despir de forma alguma – mas isso são só elucubrações da minha cabeça de analista.
Voltando para a análise dos discursos, acredito ser de extrema importância dar o palco que ele quer. É como eu sempre digo: precisamos tomar muito cuidado com o que pedimos, pois pode ser que a vida dê. Se o CEO que fala pela G4 quer colocar tais valores em voga para sua empresa, creio que deva haver um palanque bem grande para isso. Até mesmo para compreendermos quem está à frente das organizações que nos vendem produtos ligados à educação, algo tão valorizado pelas mulheres que buscam cargos de liderança.
Publicidade
Não foi à toa que milhares de alunas da G4 cancelaram suas matrículas. A fabricante de lingerie Hope expulsou Tallis de seu conselho de administração e ele ainda recebeu o posicionamento nada conivente de, ninguém mais, ninguém menos que Luiza Helena Trajano, presidente do Magalu e mãe de família, que afirmou: “Criei três filhos trabalhando muito, inclusive como CEO do Magalu”. Que papelão, Tallis!
Depois, rolou alguma coisa pesada no cantinho do castigo de Tallis. Ele veio a público e se desculpou, dizendo que usou as palavras erradas (quem tem inconsciente não precisa de inimigo, é o que eu sempre digo). Imagino que tenha a ver com o fato de que ele também seja gerido por mulheres. No último sábado (21), Tallis deixou o cargo de CEO e presidente do conselho de administração da empresa, sendo substituído pela atual diretora financeira, Maria Isabel Antonini. Grande dia!
Mas eu comecei a escrever este texto pensando mesmo na frase mestra: “Deus me livre de uma mulher CEO”. A frase revela algo básico que diz respeito à passividade. Penso que quando pedimos para Deus nos livrar de algo é porque temos realmente medo daquilo. “Deus me livre de ficar doente!”; “Deus me livre de empobrecer!; “Deus me livre de perder!”… Uma boa psicanálise poderia ajudar o rapaz a compreender que o medo é prelúdio da castração (e do desejo).
Sim, eu compreendo o medo de Talles em ter uma noiva melhor que ele. Colocá-la dentro de casa operando pela via da “energia feminina” o protege de ser rejeitado, mas é importante lembrar que isso é apenas uma fantasia. No mais, Tallis conseguiu, sem perceber, o que ele mais queria: se livrar das mulheres líderes. Fora da presidência, profanando frases feitas de conservadorismo e em um lugar de tanta fragilidade, com certeza, agora ele estará mais longe delas.
Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.