Dicas de Mulher
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Você conhece o setor de energia brasileiro? Trata-se de um dos principais setores econômicos para crescimento do país e impacta na qualidade de vida de todos. Composto por empresas e instituições públicas e privadas, como usinas eólicas, solares e de biomassa, esse setor vai da geração de energia e transmissão à distribuição.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), a matriz energética do Brasil é bastante diferente da mundial. O país consome energia proveniente de fontes não renováveis e renováveis. Dados de 2021 mostram que nosso consumo é de 54% de energia não renovável e 46% renovável, enquanto a média mundial é de 84% não renovável e 18% renovável.
O que poucos sabem é quem são os profissionais responsáveis por esse setor no país, ainda majoritariamente ocupado por homens. Um estudo recente da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) mostra que as mulheres ocupam apenas cerca de 32% dos cargos na área. No entanto, há um nome muito importante na história da transformação energética no Brasil e de importância internacional: Elbia Gannoum.
Desde 2011, Elbia é CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica), além de ser Vice-presidente do Board do Global Wind Energy Council (GWEC), mas sua carreira no setor começou bem antes e tomou rumos inimagináveis. De professora da Universidade Federal de Santa Catarina (1998-2000) passou a ser assessora da ANEEL (2001), assessora de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia (2001), coordenadora do Instituto Político do Ministério da Fazenda (2002-2003), economista-chefe do Ministério de Minas e Energia (2003-2006) e conselheira da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (2006-2011).
Em conversa exclusiva com o Dicas de Mulher, ela conta sua trajetória e os principais desafios enfrentados e superados, do que mais se orgulha enquanto profissional e da presença das mulheres no setor elétrico.
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Elbia Gannoum é de Ituiutaba, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais (MG) e tem origem simples. Ainda muito jovem, no início dos anos 90, teve de escolher uma carreira em uma época em que não havia tantas opções e nem grande acesso à informação. Por isso, relata que “não era e não é fácil escolher uma carreira. Para mim, não foi diferente”.
Ainda aos 17 anos mudou-se para Uberlândia (MG) para fazer um curso pré-vestibular em busca de uma universidade pública: “eu não tinha condições de pagar uma instituição privada. Estudei em escola pública a vida toda”. Ao mesmo tempo em que estudava, teve de buscar um emprego que a sustentasse na cidade. “Eu não podia me manter sem um, meus pais não tinham condições de me manter”, relembra.
Pensou em cursar Engenharia, mas com o cursinho e a vivência com outros estudantes acabou decidindo por Ciências Econômicas. Identificou-se com o curso logo nas primeiras semanas. Assim, seguiu muito contente e queria fazer desse momento uma grande oportunidade.
Para ela, essa consciência foi de extrema importância porque contribuiu para que se apaixonasse pelo o que estava fazendo, destacando–se como uma aluna exemplar. Enquanto estudava e trabalhava, interessou-se pela carreira acadêmica e queria ser professora universitária. Por isso, decidiu que faria mestrado e doutorado, seguindo com sua formação.
Uma prova da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC) foi um marco na trajetória de Elbia Gannoum. Mais uma vez, deslocou-se em busca de uma boa formação e foi à Brasília realizar a prova da instituição para entrar em um mestrado público e com bolsa. Decidiu-se pela área de Estratégia de Economia Industrial.
“Eu passei em três faculdades e escolhi estudar em Florianópolis, que era uma cidade menor e mais barata, porque eu tinha que viver com a bolsa de mestrado, e o dinheiro era bem curtinho”, relembra a CEO da ABEEólica.
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Assim, começa sua trajetória no setor de energia como acadêmica, devido ao seu tema de estudo do mestrado. Nessa época, na segunda metade dos anos 90, o setor de energia estava passando pela sua primeira grande reforma. Gannoum se destacou grandemente porque “não havia estudos de economistas sobre esse momento”. Antes mesmo de defendê-lo, resolveu fazer o doutorado.
Ainda nesse período, no final de 1996, nasce a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em Brasília. Em função de seu trabalho inovador de pesquisa no setor de energia, Gannoum foi convidada para dar uma palestra. Pouco depois de retornar da capital do país, foi convidada para trabalhar na instituição.
Elbia Gannoum aceitou a proposta de trabalho na ANEEL em Brasília, enquanto cursava o doutorado e era professora temporária na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Eu fiz tudo muito rápido, porque não podia perder tempo, tenho essa coisa de não perder tempo”, pontua.
Era o começo dos anos 2000 e a ANEEL acabava de abrir suas portas, então havia muito trabalho a ser feito. Assim, a economista lembra: “Me envolvi com muitos trabalhos no setor de energia, me encantei com eles. Até que veio uma crise de energia e o racionamento”.
Você se lembra do “Apagão de 2001”? Foi com esse nome que ficou conhecida a crise de energia que afetou diversos pontos do território nacional de 1 de junho de 2001 a 1 de março de 2002. Grosso modo, as causas da crise foram principalmente a escassez de chuva e a falta de planejamento adequado do governo federal da época, sob comando de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Nessa época, foi criada a Câmara de Gestão da Crise Energética (GCE), no intuito de reunir setores diversos, como o elétrico, a economia e a segurança nacional, a fim de tomadas de decisões assertivas no enfrentamento da crise instaurada. Uma das mais importantes medidas foi o racionamento, que incluía não só residências, mas também comércio, indústrias e setor cultural e de eventos – principalmente noturnos -, como shows e jogos de futebol.
Qual a importância de Elbia Gannoum, uma mulher na área de Economia, em meio a uma crise de energia? Nesse período, um dos diretores da ANEEL havia finalizado seu mandato, indo atuar na Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia. Ele convidou a economista, especialista no setor, para ser assessora do ministério. Junto ao ministro Pedro Parente, ela foi nomeada para trabalhar na gestão de crise durante o governo de FHC.
No entanto, sua carreira não parou nesse grande desafio: “Em seguida, fui convidada para assessorar o ministro Pedro Malan, no Ministério da Economia. Então, eu finalizei o governo FHC assessorando, mas no âmbito da crise de energia. Esse foi um dos períodos que mais me trouxe experiência no setor”.
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Gannoum trabalhou nessa gestão de crise, mas essa não era sua única ocupação, como sempre, mantinha-se muito atarefada: trabalhava 12 horas por dia e estudava pela madrugada para a tese de doutorado. Mas ainda havia muito mais pela frente!
Após o governo FHC, vieram os governos Lula e Dilma Rousseff no Brasil. No governo Lula, Elbia Gannoum trabalhou de 2003 a 2006. “Fui convidada para criar uma assessoria econômica do Ministério de Minas e Energia. Então, criei esse órgão que existe até hoje”, conta.
Essa assessoria é de fundamental importância, uma vez que, junto a outras frentes do ministério, contribui para levar energia para a população, em diversas formas disponíveis de geração, transmissão e distribuição.
O que isso diz sobre a economista? Trata-se de uma profissional muito flexível politicamente, sobretudo por desempenhar um trabalho no qual acredita muito. Em tempos de polarização política no Brasil, dificilmente veríamos uma transição desse porte entre governos.
Esse perfil inclusive a levou a mais conquistas. Em 2005, Dilma foi para a Casa Civil e indicou a profissional para ser conselheira da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), onde atuou até 2011.
As conquistas continuaram. “Devido a toda essa minha experiência de governo e vivência no setor, fui convidada para dirigir a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica), que até então era uma associação menor, representada pelos próprios investidores”, relembra.
Gannoum recorda ainda que, na época, a associação queria criar uma diretoria profissional e dar não só um rosto à associação, mas também uma voz. “Então, eu fui para a associação há 11 anos e aqui estou”.
E qual a receita desse sucesso? A dica de Elbia é que “é preciso fazer com amor o que se propõe, em algum momento até nos confundimos, não sabemos se gostávamos disso ou se passamos a gostar porque encontramos um meio de fazê-lo”, aponta Elbia Gannoum. Ela complementa, dizendo: “Não sei dizer se eu acertei em cheio na minha carreira, ou se me acertei com ela. Acredito que eu mesma dei um jeito de vencer na vida, pode ser um pouco dos dois”.
Para além disso, também é perceptível a colaboração de Gannoum para o setor de energia. Sua prática, conhecimento, bem como a organização e a estruturação ajudaram o setor elétrico a enfrentar uma crise para se reorganizar em seguida, beneficiando a população brasileira em termos de qualidade de vida.
Dentre seus maiores feitos, Elbia relata que se orgulha do trabalho com energia eólica. Quando deu início ao seu trabalho na ABEEólica, em 2011, havia apenas 1 GW de capacidade instalada, ou seja, a energia eólica não tinha participação tão significativa na matriz energética.
No entanto, atualmente, a energia eólica representa mais de 12% da matriz elétrica brasileira, com uma cadeia produtiva 80% nacionalizada e 22 GW instalados em mais de 800 parques eólicos. Ou seja, ela passou a ser a segunda maior fonte de energia elétrica nacional.
Além disso, vale ressaltar, a energia eólica é limpa, renovável e contribui com o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e para o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) das regiões, sobretudo no Nordeste brasileiro.
O trabalho de Elbia Gannoum, junto a outros profissionais competentes e apaixonados pelo que fazem, transformam seu sonho em realidade: trazer contribuições econômicas positivas para a sociedade. E isso realmente a move como profissional, conforme relata.
Ao falar sobre representatividade feminina no setor de energia, Elbia traz na voz um misto de alegria e pesar: “É muito diferente falar dessas questões hoje, ainda tem uma resistência, ainda temos que tomar cuidado com o que falamos, como falamos, mas já há menos resistência do que tinha ali no começo dos anos 2000, 2005. Estamos evoluindo”.
Além disso, relembra situações complexas que vivenciou, “Ah, mas é você quem vai coordenar essa reunião? – disse a pessoa olhando para mim, me achando jovem, talvez inexperiente”. Diante de situações como essa, Elbia diz que pensava que “muitas vezes, bater de frente e brigar acabava sendo mais negativo do que você seguir e falar: vou fazer um bom trabalho, vou ser notada. Em algum momento vou ser notada”.
A economista comenta que hoje o setor de energias renováveis está mais aberto, mas ainda há poucas mulheres. “Como eu tenho trabalhado muito na causa de gênero e diversidade, vejo que é um problema que temos que resolver na base. Precisamos ter mais mulheres formadas, mais mulheres preparadas”.
Além disso, para ela, um dos maiores desafios enfrentados pelas mulheres, seja no setor elétrico ou em qualquer outro, é conciliar a vida pessoal com a profissional, sobretudo quando se é mãe.
Por fim, vale mencionar que, em 2019, a profissional recebeu o prêmio “Clean Energy Education & Empowerment – Woman of Distinction Award”. Uma iniciativa internacional do Clean Energy Ministerial e da Agência Internacional de Energia, que reconhece as mulheres que se destacam no setor de energia limpa, devido à excelência em áreas como liderança, política, avanço técnico etc.
Gannoum recorda que, quando começou sua carreira, jamais almejaria estar na posição na qual está hoje. Não planejou estar aonde chegou, mas entende que isso só se deu porque sempre foi seguindo um passo atrás do outro, fazendo bem tudo aquilo que lhe foi dado para fazer, sem deixar de “olhar com cuidado para as oportunidades”.
Sua dica profissional para mulheres vai nessa mesma direção: “É muito importante você olhar as oportunidades do mercado, os temas que estão rolando. Tentar identificar essas oportunidades e estudar, se dedicar, eu acho que esse é o aspecto mais importante: a dedicação. Porque não adianta você querer resultados imediatos, os resultados vêm a longo prazo”.
Além disso, aconselha que é preciso estabelecer uma meta e persegui-la. “As pessoas ficam olhando muitas atividades e não se decidem por caminho algum. O tempo vai passando. Não perca seu tempo, você não pode perder tempo!”.
Que outras mulheres possam se inspirar nessa trajetória e nessas dicas na busca de seus sonhos e objetivos e que os bons ventos sigam soprando para Elbia Gannoum!
Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.