Sociedade

Por que o feminismo deve atuar na inclusão e acessibilidade de mulheres PCDs?

Dicas de Mulher

Integrantes do Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência destacam a importância de políticas públicas e acessibilidade

Atualizado em 06.09.23
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Pensar a interseccionalidade é uma reflexão importante para a construção de políticas públicas de gênero, pois numa sociedade desigual, ninguém vivencia o meio da mesma forma. Pressupor que todas são beneficiadas por demandas de grupos hegemônicos não só alimenta a opressão como invisibiliza questões importantes para outras mulheres.

No Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência, essa interseccionalidade se faz presente reconhecendo a deficiência com um marcador social assim como raça, gênero, sexualidade e classe social. Dessa forma, a acessibilidade atravessa todas as reivindicações do coletivo, sendo uma característica fundamental para pensar as necessidades da mulher com deficiência.

E essa movimentação é essencial. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PSN) de 2019 mostram que 9,9% da população com deficiência no Brasil são mulheres. São 10,5 milhões de cidadãs que têm pelo menos uma deficiência. Mas a discussão de políticas públicas voltadas para elas enfrenta obstáculos, dentre eles o diálogo com outros movimentos sociais.

Para Cristina Kenne, colaboradora da Universidade Livre Feminista (ULF) e integrante do Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência, esse desafio ainda não foi superado. Ela afirma que ainda há barreiras para ampliar a luta das mulheres com deficiência. “Não há garantia de que podemos apenas levar nossas pautas em espaços de construção de militância, nossa luta começa antes disso. Começa quando precisamos rever espaços e atitudes para assegurarmos que nossa luta será ouvida e também acolhida”, afirma.

Foi da dificuldade de tratar a temática da deficiência e de gênero dentro dos movimentos feministas e de pessoas com deficiência respectivamente que surgiu o Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência. Desde 2018, o grupo apartidário tem o objetivo de combater o capacitismo e o machismo, atuando na promoção de direitos femininos relacionados ao trabalho, à educação, à reprodução, à sexualidade entre outros temas.

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Seu nome é em homenagem a escritora e ativista norte-americana Helen Keller, mulher com deficiência que lutou pelos direitos humanos, femininos e PCDs. De acordo com o guia escrito pelo coletivo, ao longo de sua vida, Hellen publicou 12 livros, foi nomeada ao prêmio Nobel em 1953 e à National Women’s Hall of Fame, em 1965.

Capacitismo estrutural

Fernanda Vicari, fundadora do Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência e presidente da Associação Gaúcha de Distrofia Muscular (Agadim), acredita dentre os dificuldades de passar suas demandas está o reconhecimento das PCDs como um “grupo social inferior” pela sociedade civil e a criação de políticas assistencialistas com base no entendimento da deficiência a partir do modelo médico, cuja visão é de que o corpo precisa ser consertado.

Essas políticas assistencialistas, explica Fernanda, têm estreita relação com o sistema de produção capitalista e o capacitismo estrutural. O primeiro exclui corpos com deficiência ao se basear na sua capacidade produtiva. Já o segundo, se apresenta de várias formas, como na inexistência de rampas e elevadores em delegacias, em postos de saúde, na falta de profissionais capacitados para a interlocução. Tudo isso dificulta o acesso a direitos básicos.

Segundo a presidente, ainda é preciso reconhecê-las como “sujeitas de direitos” e ir além das políticas assistencialistas, traçando projetos que busquem a emancipação da mulher em vários âmbitos como em relação ao mercado de trabalho e situação econômica.

Para traçar políticas públicas que atendam PCDs, além de fazer um reconhecimento demográfico, a presidente da Agadim aponta a importância do diálogo e a necessidade de pensar na participação política dessas mulheres e escuta suas demandas.

“O diálogo se faz necessário para que a construção dessas políticas aconteça de forma equânime, transversal, e não pensados por um grupo específico e incidir sobre a população somente no momento de acessá-las, que é quando percebemos as falhas – o que poderia ter sido apontado durante a construção, como viável ou não”, diz a presidente.

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Já Cristina acredita que só políticas públicas não bastam para que mulheres com deficiência participem efetivamente da sociedade. “Precisamos não só garantir direitos, leis, mas naturalizar esses corpos com deficiência. Garantir acesso é importante, mas reconhecer a igualdade e as distintas capacidades é mais importante ainda”, aponta.

Saiba mais sobre o coletivo e sua atuação

A ativista e escritora Helen Keller | Dicas de Mulher

A ativista Fernanda Vicari conta que o Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência surgiu a partir da necessidade de tratar gênero e deficiência nos movimentos de pessoas com deficiência e feminismo. “Essas questões começam a ser trazidas por algumas mulheres que já se encontravam dentro destes espaços e começam a refletir sobre a possibilidade/necessidade de termos um coletivo feminista de mulheres com deficiência”, conta a cofundadora.

Mas o que norteou a criação de um grupo que falasse sobre esses assuntos foi no seminário de política para mulheres com deficiência que Fernanda participou em 2014. Posteriormente, ela integrou o Inclusivas, grupo composto por mulheres com e sem deficiência – sem o viés feminista.

Foi da rede de contatos criada ao longo dessa jornada que nasceu em 2018 o Coletivo Helen Keller, formado por colaboradoras de diversas regiões do país. Foi nesse mesmo ano que Cristina, ativista por uma educação gratuita e de qualidade, conheceu e integrou o coletivo, atuando desde então como audiodescritora das imagens compartilhadas em redes sociais e comunicações institucionais.

Para ela, uma das maiores conquista do coletivo é conseguir reunir mulheres com deficiência em um espaço de “troca e apoio de potencialidades”. “É um espaço não só de apoio de uma realidade dividida por todas, sempre com o entendimento das diversas interseccionalidades que nos atravessam, mas um espaço de informação, luta por direitos, discussão e participação em espaços de militância pelos direitos das mulheres”, conta a filósofa.

Projetos e ações

Outras conquistas são seus projetos e atuações em prol do movimento. Em maio de 2020, o coletivo lançou o guia Mulheres com Deficiência: Garantia de Direitos para Exercício da Cidadania, com apoio da Abong, Camp, Cese, Cfemea e da União Europeia. O objetivo é torná-lo “um instrumento de informação, articulação e ação política para o exercício da cidadania de mulheres, sobretudo as mulheres com deficiência.”

“A maior parte das envolvidas com o guia são mulheres com deficiência que, a partir dos lugares que ocupam, produzem conhecimento sobre temas relacionados à nossa realidade”, diz o guia. Ele também conta com pesquisadoras sem deficiência convidadas de outros movimentos sociais para pensar como suas lutas se relacionam com a do coletivo.

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O manual aborda ainda a interseccionalidade entre gênero e deficiência associados a outros marcadores sociais como a negritude, os povos indígenas, a luta LBT e ao corpo gordo, em diversos âmbitos da vida de uma mulher, como o seu direito à saúde, à educação, sexual e reprodutivo e autonomia econômica.

No ano seguinte, o coletivo participou da pesquisa Pela Vida De Todas Elas, da Criar Brasil, a qual apresenta dados sobre a violência doméstica com foco em mulheres com deficiência. Também participaram da campanha Nem Presa Nem Morta, pela descriminalização do aborto e acesso a direitos sexuais e reprodutivos. Sobre o mesmo eixo temático há o podcast Futuro do Cuidado, uma colaboração com o Portal Catarinas.

No que tange a participação política das PCDs, “buscamos trazer reflexões sobre a importância de candidaturas de mulheres feministas que tragam pautas que contemplem a diversidade de mulheres nas suas propostas, bem como reconheçam a importância do acesso equânime a políticas sociais e direitos”, explica a cofundadora.

E para os próximos meses há novidades: “estamos participando de um projeto com a Artigo 19, pelo acesso à informação e democracia. Vamos estar à frente de uma formação sobre gênero e deficiência, a convite do SESC SP, em setembro”, conta Fernanda Vicari.

Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.