Dicas de Mulher
O feminismo negro abraça questões que vão além das causas relativas ao feminismo hegemônico. O olhar das mulheres negras ultrapassa a visão sobre a relação homem-mulher, machismo e desigualdade de gênero. Assim, também tem como pauta fundamental a luta contra a discriminação racial e social.
Conheça a especialista
Maria Sylvia Oliveira é advogada e Coordenadora de Política de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça do Geledés — Instituto da Mulher Negra. Atua no Movimento Negro e Feminista Negro desde 1994.A mulher enfrenta diversos desafios na sociedade, mas quando se trata da mulher negra, eles se tornam bem maiores. Além de enfrentar o preconceito racial e de gênero em diversas esferas, elas formam o grupo de maior vulnerabilidade social. Essa questão reflete diretamente na educação, oportunidades no mercado de trabalho e ocupação de cargos importantes. Apesar de terem, nos últimos anos e após muita luta, conquistado espaço em diversas áreas, ainda há uma longa jornada para aumentar a representatividade das mulheres negras e torná-las, de fato, protagonistas.
O que é o feminismo negro?
De acordo com Maria Sylvia Oliveira, o feminino negro expressa o movimento de mulheres negras que pauta as condições específicas de ser mulher e negra em uma sociedade estruturada pelo racismo e machismo estrutural. O movimento de caráter social e político começou a ganhar contornos no final da década de 1970, “refletindo sobre a invisibilidade e as desigualdades de gênero, raça e classe na sociedade brasileira, desempenhando um papel de reeducar a nossa sociedade”, destaca.
Então, a partir desse cenário, surgiu o Movimento das Mulheres Negras (MMN). Outros movimentos passaram também a entender a importância de combater a exclusão racial, social e de gênero. Maria Sylvia menciona a fala de Sueli Carneiro, escritora, filósofa e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro, que disse:
Publicidade
“A mulher negra é a síntese de duas formas de opressões essenciais: a opressão de gênero e a de raça. Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento”.
-Sueli Carneiro
As principais pautas do feminismo negro, de acordo com Maria Sylvia, estão relacionadas a tirar as mulheres negras deste limbo. Ou seja, “dar visibilidade ao legado e história de luta das mulheres negras; combater aos estereótipos e imagens de controle; reduzir as desigualdades por razões raciais e de gênero, questões centrais para a perpetuação das precárias condições econômicas e sociais das mulheres negras”, destaca a advogada.
Principais ações do movimento
As ações sociais das mulheres negras crescem gradualmente no país, tendo como principal foco os direitos humanos relativos às especificidades dessas mulheres. Segundo Maria Sylvia, o movimento realizou muitas ações nas últimas décadas, porém, para ela, a Marcha das Mulheres Negras, de 2015, foi a mais relevante, levando cerca de 50.000 mulheres negras para Brasília, capital política do país.
Além disso, a internet tem sido uma importante ferramenta utilizada por ativistas negras para discutir o assunto. Por meio das redes sociais e blogs com conteúdos sobre as questões da negritude feminina, elas conseguem alcançar e informar cada vez mais pessoas.
Já organizações como o Geledés — Instituto da Mulher Negra, criam projetos relativos às pautas do feminismo negro em parceria com outras organizações para atuar contra a violência sexual e doméstica. O projeto também tem como objetivo lutar contra a desigualdade no mercado de trabalho, estereótipos e estigmas que perseguem a mulher negra.
Conquistas das mulheres negras
As conquistas advindas da atuação do Movimento de Mulheres Negras, de acordo com Maria Sylvia, são muitas, sem descurar da atuação do Movimento Negro na totalidade. A advogada destaca a regulamentação de direitos trabalhistas para as empregadas domésticas como uma conquista recente importante.
Publicidade
Ela ainda cita “a inserção das mulheres negras nos espaços acadêmicos, por meio das cotas”. Devido à implantação de políticas públicas, o número de universitárias negras cresceram no país nas últimas décadas. Além disso, embora ainda pequena, houve uma significativa mudança na representação de mulheres negras na mídia.
Outro ponto importante a mencionar, “é o aumento da representação política de mulheres negras nos espaços de poder, em nossos parlamentos, ainda que incipiente”, ressalta. Nas eleições de 2022, por exemplo, a professora Carol Dartora (PT) foi eleita com 130 mil votos para o cargo de deputada federal. Ela é a primeira mulher negra da história do Paraná a representar o estado no Congresso Nacional.
Os desafios do feminismo negro
Apesar das ações e conquistas elencadas serem extremamente importantes, Maria Sylvia diz que ainda é preciso lutar muito para melhorar as condições de vida das mulheres negras. Elas precisam ter acesso à educação, cultura e mercado de trabalho. A advogada comenta que o título da Carta da Marcha das Mulheres Negras de 2015 diz muito sobre os desafios: “Marcha Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver Como Nova Utopia”.
As mulheres negras ainda enfrentam dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho. Elas, além de sofrerem com a desigualdade de gênero, ainda tem que enfrentar a discriminação racial. Conforme pesquisa da FGV, no 1º trimestre de 2022, as mulheres negras representavam mais de 4,1 milhões de desempregadas no Brasil.
Quanto à educação, 96% das meninas negras frequentam o ensino básico no país. Entretanto, esse índice cai para 18% no ensino superior. Apesar da Lei de Cotas 12.711 de 2012, as mulheres negras representam apenas 21% dos estudantes que concluem a faculdade.
Mas, para Maria Sylvia, o maior desafio é a luta contra a violência racial, pois os “Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desde 2015/2016, informam índices estarrecedores sobre a violência contra as mulheres negras, que a cada ano aumenta, enquanto os índices de violência contra as mulheres brancas diminuem”, informa.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, 35% das vítimas de feminicídio são mulheres brancas, enquanto 62% são negras. Isso é o retrato das desigualdades socioeconômicas, de gênero e racismo estrutural alimentada pela sociedade. São por essas especificidades e violências interseccionais contra a mulher negra que a vertente feminista luta.
Publicidade
Representatividade negra: mídia, moda, mercado de trabalho e política
Ainda que tenhamos um longo caminho a percorrer, a representatividade da mulher negra na sociedade aumentou nos últimos anos. Na mídia atual, é possível observar a maior presença de mulheres negras nas novelas, filmes e séries representando personagens importantes. Há algum tempo, elas atuavam somente para retratando personagens subordinadas.
Entretanto, mesmo que os padrões de beleza estejam sendo questionados em relação aos tipos de corpos e cabelos, a sociedade ainda tem como modelo o perfil da mulher branca, alta e magra para papéis de protagonismo. O mesmo ainda acontece na moda, mas esse segmento tem demonstrado algum interesse em mudanças.
Recentemente, a indústria fashion tem incluído cada vez mais profissionais negros no setor, seja em direções criativas, inclusão de fotógrafos, estilistas, maquiadores, modelos e marcas de criadores negros. Em 2020, o São Paulo Fashion Week foi representado por 50% de modelos negras em um coletivo chamado “Pretos na Moda”. O evento valorizou a estética afrodescendente e ressaltou a diversidade.
Já no mercado de trabalho, as empresas estão aumentando as vagas afirmativas para mulheres negras. Contudo, a ocupação dessas mulheres em cargos de chefia ainda é de apenas 0,4%. A representatividade de mulheres negras na política também aumentou, embora ainda seja uma porcentagem pequena.
Nas eleições de 2022, após mudanças nas regras eleitorais, o número de candidatos autodeclarados pretos e pardos superou o de candidatos brancos pela primeira vez na história do país. Foram mais de 29 mulheres negras eleitas por regiões do Brasil.
Relacionadas
Como mulheres negras podem ter mais protagonismo
Maria Sylvia citou ser importante lutar contra os estereótipos e imagens de controle, pois no imaginário social, ainda persiste a ideia de mulheres negras trabalhando como domésticas e em posições de subalternidade. A sociedade ainda enxerga a mulher negra como menos capaz.
“Há um tempo, uma estudante negra postou nas redes sociais uma situação pela qual passou que diz muito deste imaginário. Perguntaram a ela: “Você faz faxina? Ela respondeu: “Não, eu faço mestrado”, conta. A advogada diz que para a mulher negra ter mais representatividade em diversas áreas, é fundamental mudar o imaginário social sobre o lugar reservado para ela.
Então, é preciso mostrar para as meninas, jovens e mulheres que elas podem estar onde elas quiserem. Para alcançarmos mudanças reais na sociedade, é preciso criar mais oportunidades para mulheres negras mostrarem que são capacitadas. É necessário apresentar oportunidades para que ocupem posições que explorem suas habilidades, conhecimentos e tomadas de decisão.
“É importante, por exemplo, que haja cobrança nos espaços que frequentamos e empresas de todas as áreas sobre a participação de mulheres negras. É preciso investir em políticas de inclusão, que possibilitem às mulheres negras serem protagonistas nas mais diversas áreas”, pontua.
Feministas negras destaques no Brasil e no mundo
No Brasil e no mundo, escritoras, filósofas, sociólogas e ativistas tiveram importante papel na luta por mudanças sociais e para as mulheres negras terem um lugar de maior destaque na sociedade. Conheça os principais nomes do feminismo negro e suas contribuições:
Sueli Carneiro
Fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro é filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro. Ela é considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil e já ganhou prêmios e honrarias pelos seus trabalhos sobre violência de gênero e racismo.
Djamila Ribeiro
Djamila Ribeiro é mestre em filosofia política pela Unifesp, feminista negra e escritora. Tornou-se conhecida por ser uma das mais importantes ativistas negras com presença constante nas redes sociais. Além do mais, é coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais e autora da obra “O que é lugar de fala (2017)”.
Lélia Gonzalez
Lélia Gonzalez foi uma filósofa, política, escritora e antropóloga brasileira que revolucionou o movimento negro no país. Ela atuava na luta contra a desigualdade de gênero e racismo estrutural focado no feminismo negro, sendo uma das reponsáveis pelos primeiros estudos sobre cultura negra no Brasil. A autora publicou três livros intitulados “Festas Populares no Brasil”, “Lugar de Negro” e “Por um Feminismo Afro-Latino-Americano”.
Angela Davis
Angela Davis é filosofa e grande ativista pelos direitos da população negra e das mulheres. Ficou globalmente conhecida por lutar por transformação social e qualquer tipo de opressão. Ao longo da vida, abordou em suas obras questões sobre gênero nos movimentos negros e racial nos movimentos feministas.
Chimamanda N. Adichie
Escritora e feminista nigeriana, Chimamanda N. Adichie é uma das maiores intelectuais da atualidade, sendo uma forte referência na luta contra discriminação de gênero. Seus livros já foram traduzidos para mais de trinta idiomas. Ela tem 6 obras publicadas e em um dos seus livros “Como educar crianças feministas”, a autora dá dicas para formar crianças críticas e mais conscientes.
Maria Sylvia finaliza dizendo que, no presente, o movimento de mulheres negras é um movimento social e político autônomo. De acordo com ela, o movimento agenda de luta e pautas específicas e, para além das ações, tem uma importante produção intelectual. A fim de potencializar ainda mais a força do movimento negro, a advogada ressalta que “o feminismo hegemônico pode contribuir alinhando-se e aliando-se à nossa agenda de lutas”.
Erika Balbino
Formada em Letras e pós-graduada em Jornalismo Digital. Apaixonada por livros, plantas e animais. Ama viajar e pesquisar sobre outras culturas. Escreve sobre diversos assuntos, especialmente sobre saúde, bem-estar, beleza e comportamento.