Sociedade

Contar e fazer história: o legado de Glória Maria

Com mais de 50 anos de dedicação e entrega à sua carreira, Glória Maria eternizou seu nome na comunicação e no imaginário popular brasileiro

Atualizado em 20.10.23
push pixel

Em uma brilhante carreira de mais de 50 anos no jornalismo, a trajetória de Glória Maria foi marcada por pioneirismo, inovação e, principalmente, coragem. Reconhecida por sua dedicação apaixonada às reportagens, entrevistas com famosos internacionais e uma conexão única com diferentes lugares e culturas, Glória Maria entra para a história como um dos maiores nomes da comunicação no país.

Maria, a Mulher Maravilha

Glória Maria Matta da Silva, ou Maria, como gostava de ser chamada, foi uma jornalista pioneira e um dos maiores nomes da comunicação televisiva do Brasil. Ela nasceu no Rio de Janeiro e pouco se sabe sobre sua vida pessoal, já que era uma mulher muito reservada. Glória sempre quis que sua carreira fosse seu maior legado e, sem sombra de dúvidas, teve grande êxito com uma trajetória profissional inimitável.

Filha de um alfaiate e uma dona de casa, ela sempre teve muito orgulho em falar dos pais que, apesar de analfabetos, lhe deram grande apoio em sua formação. Glória começou a dar seus primeiros passos na Rede Globo em 1970, quando conseguiu uma vaga de estagiária de jornalismo. Se tornou repórter em uma época em que os jornalistas não costumavam aparecer em vídeo.

Sua estreia na TV foi no ano seguinte, em 1971, no primeiro ao vivo do jornal local. Depois disso, foi se consolidando como um grande nome do jornalismo da Globo e do país, tendo trabalhado no RJTV, no Bom Dia Rio e Jornal Hoje. Ganhou notoriedade no Jornal Nacional por conta de suas reportagens ao vivo e, algum tempo depois, no Fantástico por suas famosas viagens internacionais.

Publicidade

“Eu era a Mulher Maravilha. Nunca tive tempo de curtir, de casar, de nada. Eu só trabalhei e era feliz assim.”

– Glória Maria

Tendo passado por discriminação, racismo, machismo e muitas adversidades, suas experiências foram combustível para a história dessa mulher que inspira e continuará a inspirar tantas mulheres e pessoas negras no país.

Sem fronteiras

Com o passaporte carimbado em mais 160 países, Glória se tornou uma cidadã do mundo. A jornalista cobriu grandes acontecimentos ao redor do globo durante seu trabalho no Fantástico e, posteriormente, no Globo Repórter. Ela ficou conhecida por suas viagens e invejada por seu passaporte internacional.

Somente como repórter do Fantástico, ela passou por mais de 100 países. Cobriu a guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), a Copa do Mundo na França (1998) e muitos outros eventos internacionais em seus mais de 50 anos de carreira. Glória também era uma poliglota, falava francês, inglês e arriscava no latim, espanhol e italiano. Apesar disso, ela considerava que seu maior atributo no jornalismo não era a fala, e sim a escuta.

Publicidade

“No final, a língua que todo mundo entende é o idioma da alma.”

– Glória Maria

Sem medo

Sua entrega e dedicação total para as suas reportagens sempre foram notórias e motivo de admiração entre os colegas jornalistas. O espírito destemido de Glória a levou muito longe. Em uma oportunidade, a jornalista pulou do maior ponto de bungee jump do mundo, a 233 metros de altura (equivalente a 88 andares) em Macau, na China.

Além disso, sobrevoou um vulcão de helicóptero, voou de asa delta, nadou com ursos polares, escalou a Cordilheira do Himalaia e participou de um festival de pesca na Nigéria. Quando acompanhou o escritor Paulo Coelho em uma viagem de trem, para o Fantástico, passou 3 dias tomando banho de pia. Participou de um ritual religioso em uma comunidade rastafari da Jamaica, onde rezou e compartilhou um cachimbo gigante de maconha com moradores locais. Em outra ocasião, foi roubada e abandonada durante uma reportagem na Nigéria.

“Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar para pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a racionalidade para ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa.”

– Glória Maria

Pioneira

Glória foi pioneira inúmeras vezes. Primeira jornalista negra da televisão brasileira, ela ganhou destaque em espaços onde mulheres, em especial, mulheres negras, não costumavam ocupar. Em 1971, se tornou a primeira repórter negra da TV brasileira. Na Rede Globo, foi a primeira repórter a entrar ao vivo e em cores para o Jornal Nacional, em 1974.

Outro pioneirismo seu é datado em 1977, quando foi escalada para cobrir a posse de Jimmy Carter, em Washington, Estados Unidos. Com isso, Glória Maria se consagrou como a primeira jornalista estrangeira – e negra – a entrevistar um presidente estadunidense. Mais uma importante conquista em sua carreira, ela se estabeleceu como a primeira mulher a fazer cobertura de uma guerra na televisão, em 1982, na Guerra das Malvinas. Como uma grande mulher de estreias, foi com ela a primeira transmissão em HD da televisão brasileira, em 2007.

Bem conectada

A jornalista ficou conhecida por entrevistar celebridades como Michael Jackson, que a cedeu uma conversa no Brasil, quando veio gravar o clipe de sua música “They Don’t Care About Us”, na favela Dona Marta, Zona Sul do Rio de Janeiro. Além do rei, Glória também entrevistou com a rainha do pop, Madonna, e os ícones Mick Jagger e Freddie Mercury. Muitos outros nomes internacionais, como Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo DiCaprio aparecem na extensa lista da entrevistadora.

Publicidade

Jornalista humana

Glória Maria tinha um estilo próprio de fazer jornalismo que, segundo ela mesma, foi sendo desenvolvido aos poucos. Por não haver reportagens em que os jornalistas apareciam na TV quando Glória começou, ela pôde criar sua própria linguagem. Como diferencial em seu estilo, a jornalista citou em entrevistas que suas matérias sempre foram feitas à base do sentimento e do ser humano. Esse estilo único conquistava seus entrevistados e as pessoas dos países por onde passava.

Ícone de resistência

Pioneiríssima, Glória chegou primeiro em muitos espaços negados a mulheres e pessoas negras como ela. Apesar da excelência e experiência indiscutíveis, ela sofreu com o racismo e o machismo durante anos. Ela sofreu injúrias raciais, inclusive, de presidentes do Brasil durante a ditadura militar. Glória se posicionou por muitas vezes contra o racismo que sofria na televisão. A jornalista chegou a afirmar que o seu sucesso e excelência nunca a blindaram de sofrer racismo e sempre foi uma voz ativa na causa contra o racismo estrutural.

“Nada blinda preto de racismo, nada. E com mulher preta é pior ainda. Nós somos mais abandonadas e discriminadas.”

– Glória Maria

Homenageada

Glória Maria recebeu incontáveis prêmios ao longo de sua carreira como jornalista. Ela foi, inclusive, homenageada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2008, com a Medalha Chiquinha Gonzaga. Muito celebrada, Glória revelou em entrevista que ficou particularmente comovida ao ser convidada pelo Unicef para ser uma das apresentadoras do concerto beneficente para a Etiópia (1998).

Em 2009, recebeu o Troféu Raça Negra, por ser uma mulher negra de destaque no jornalismo brasileiro. Além de ser considerada a jornalista mais querida pelos brasileiros nos anos 90, por conta de sua icônica entrevista com Michael Jackson.

Em suas mais de cinco décadas de carreira. Mulher negra e pioneira em inúmeras conquistas, ela se eternizou como uma das maiores e mais importantes vozes da comunicação brasileira.

Comunicóloga. Editora e redatora do Dicas de Mulher.