Quando Karen Jonz viralizou na internet por seus comentários durante a transmissão do skate feminino nas Olimpíadas, ela já possuía uma carreira consolidada no skate, sendo tetracampeã mundial. Apesar de ser citada por um jornalista como esposa de Lucas Silveira, possuía o título de primeira mulher brasileira medalhista no X-Games. Para além do skate, Karen é mãe da Sky, cantora, youtuber e artista:
Do primeiro shape ao lugar mais alto do pódio
Karen Jonz nasceu em Santos em 29 de setembro de 1983, sendo criada em Santo André, cidade conhecida pela grande popularização do skate no interior de São Paulo. O envolvimento dela com a modalidade começou aos 17 anos, quando decidiu vender bolo na escola para conseguir comprar um shape.
No começo da carreira, Karen competiu com homens devido a ainda inexistente presença de mulheres em um esporte predominantemente masculino. Ela chegou a contar em entrevistas que em muitas vezes não havia banheiro feminino para ela utilizar. Essa masculinização do esporte também fez parte da vida da skatista, que sentia essa “necessidade” de utilizar as vestimentas mais largas, se portar como os parceiros de pista e até reproduzir as falas machistas que eles tinham, como “ela anda tão bem, nem parece que é mulher”.
Essa necessidade de ser sempre a melhor, de ter ótimos resultados, é um padrão muito comum em ambientes em que se prevalece a presença masculina. Essa pressão, autoimposta, pode ter resultados muito negativos na vida das mulheres. Jonz já relatou ter sofrido de depressão e síndrome do pânico, devido a esse período da carreira em que reprimiu a sua feminilidade e diversas outras características para se encaixar naquele meio.
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Carreira e competições
Karen Jonz optou, ou melhor, se encontrou na modalidade vertical do skate. O skate vert é praticado em uma pista vertical e em formato de U. Competindo desde o começo da década de 2000, ela atingiu seu primeiro grande feito em 2005 ao ser vice-campeã mundial na categoria vertical feminina. No ano seguinte, tornou-se a primeira brasileira a ser campeã mundial no skate e ainda ganhou o bronze nos X-Games em Los Angeles.
Em 2007, muda-se para os Estados Unidos em busca de melhorar seus treinos e atinge a quarta colocação nos X-Games. Conquista um título inédito na carreira: campeã europeia. O ano seguinte elevaria ainda mais seu patamar no esporte ao consagrar-se bicampeã mundial. Ela ainda voltaria a ser a melhor do skate mundial em 2013 e 2014. Também foi medalha de ouro em 2008, prata em 2009 e bronze em 2010 nos X-Games. Foi campeã brasileira em duas categorias em 2012: vertical e bowl.
Tentativas e comentarista olímpica
Após dar uma pausa na carreira para cuidar da filha, Sky, Karen voltou a competir em 2019 e tentou ficar entre as três melhores brasileiras na categoria skate park, visto que o vert não entrou para a categoria olímpica. Para conseguir uma vaga nos Jogos Olímpios, é necessário estar na lista dos três melhores skatistas de seu país. Aos 33 anos, ela chegou a tentar, mas preferiu desistir. A mulher mais velha a disputar o skate em Tóquio foi a norte-americana Alexis Sablone, aos 34 anos.
Foi convidada pelo grupo Globo para ser comentarista da estreia do skate, em especial o feminino, nos Jogos Olímpicos. Ao lado do narrador Sergio Arenillas e o skatista Rony Gomes, ela viralizou na internet por seus comentários divertidos e espontâneos. Em uma das manobras, uma skatista acaba batendo as partes íntimas e Karen comenta divertidamente que ela “xerecou”. Além das falas engraçadas, ela relembrou como era ainda mais difícil para as mulheres e como a falta de visibilidade do esporte continua até hoje.
Artista
Para além das pistas, Karen Jonz também é cantora, musicista, produtora e youtuber. Ela começou a postar vídeos em sua conta em 2014, ensinando como fazer manobras, como limpar o shape e até sobre o seu dia a dia nos Estados Unidos. Com o nascimento de sua filha Sky, os vídeos passaram a relatar a rotina da família, a conciliação do skate com a maternidade, até as composições dela como cantora.
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Após se tornar a primeira brasileira campeã mundial de skate, comprou um computador e aprendeu a gravar e produzir. Em 2020, ela lançou seu trabalho solo com o mixtape “O Pequeno Excesso”. Ao lado do marido e músico, Lucas Silveira, Karen produziu seu primeiro álbum em 2022, chamado “Papel de Carta”. Com participações especiais de Gab Ferreira e XAN, as faixas apresentam letras pesadas, melodias cuidadosas e faixas leves, mostrando as multifaces de Jonz.
Maternidade, música e manobras
O nascimento de Sky mudou muito a rotina e como Karen via o mundo. Após a filha nascer, a skatista imaginava que em poucos meses voltaria a andar e a bebê a acompanharia. Mas, como nem tudo saiu como o planejado, o pós-parto foi difícil e a volta às pistas foi sendo adiada. Quando conseguiu retornar, ela passou a ser constantemente questionada sobre sua capacidade, se “daria conta” após ter sido mãe e ainda por conta da idade. Para ela, parar nunca foi uma opção: “Se eu parasse de andar ia ser uma opção minha, não porque fui mãe ou por causa da idade. A pessoa pode ser mãe, ser atleta e ganhar. Parem de duvidar”, contou ao Yahoo.
Durante uma das transmissões em que foi comentarista, o narrador Sergio Arenillas comentou que se fala pouco sobre paternidade e esporte, comparado a maternidade. Karen, por sua vez, explicou que uma das razões pode ser que os pais deixam os filhos em casa sob os cuidados das mães. De forma simples, a skatista traz mensagens que falam muito: não é por que uma atleta foi mãe, que sua carreira acabou. Não é necessário um debate sobre paternidade no esporte, pois a maioria dos atletas homens que se tornam pais, não deixam a carreira de lado. Não deve existir uma diferença entre os papéis, pois os dois são responsáveis pelos filhos. A equidade de gênero no esporte deve abranger o discurso de maternidade e paternidade.
10 curiosidades para conhecer a multicarreira de Karen
Skatista, mãe, cantora, compositora, musicista, comentarista, influencer e outras mil atribuições que fazem parte da rotina de Karen Jonz. Descubra mais um pouco:
1. Primeira brasileira a ter sua própria linha de tênis
Em parceira com a marca Mary Jane, Karen Jonz foi a primeira esportista brasileira a ter sua própria linha de tênis. Com modelos voltados para o público pré-adolescente e adolescente, eles são extremamente resistentes e a linha Mary Jane Karen Jonz foi pensada para as meninas que praticam skate.
2. Fez parte de bandas diversas
Antes da carreira solo, Karen chegou a fazer parte de bandas como Violeta Ping-Pong ao lado de amigos. Posteriormente, ao lado do marido, criou as bandas de pop punk, a Vaconaut and the Apple Monster e a Kyber Krystals voltada para o pop alternativo. Fugindo do estereótipo de música de skatista, na fase solo, as músicas de Jonz são mais introspectivas e confessionais.
3. Consciência alimentar
A chegada de Sky na vida de Karen trouxe um novo conceito e ao mesmo tempo velho aos hábitos da cantora. O marido dela, Lucas, é vegetariano e ela já tinha sido apresentada ao veganismo por um amigo aos 18 anos. Por conta da rotina de treinos e competições, era difícil ter uma alimentação regrada e sem o consumo de carne. Isso tudo alinhado a distúrbios alimentares que a acompanharam por muito tempo, como a bulimia. Devido a uma alergia de Sky à proteína do leite, ela precisou mudar toda sua alimentação e passou a ser uma pesquisadora de alimentos. “Depois de me conscientizar sobre a importância da alimentação, eu comecei a pesquisar as qualidades de cada alimento. Como a gente consegue se curar através da comida. Qual alimento é favorável para uma estação do ano e outros não. Entendi os ciclos dos alimentos. Eu virei uma pesquisadora sobre alimentação e comecei a usar isso ao meu favor”, contou a Revista Quem.
4. É uma das fundadoras da Associação Brasileira do Skate Feminino
A Associação Brasileira do Skate Feminino foi fundada em 2009 e tem como missão: “Promover qualidade de vida e inclusão social à mulher utilizando a prática esportiva radical do skateboard.” Ao lado de grandes personagens do skate feminino, como Christie Aleixo, Letícia Gonçalves, Débora Badel e Karen Feitosa, Jonz faz parte do conselho de atletas que promove eventos e atua na promoção do skate feminino pelo país. Atualmente, a organização é filiada a Confederação Brasileira de Skate e a Federação Paulista de Skate.
5. “Fui minha própria referência. Foi muito difícil, mas ao mesmo tempo engrandecedor”
Durante as transmissões olímpicas em que fez parte, Karen Jonz contou como era diferente o ambiente em que as atletas mulheres viviam no skate comparado ao período em que ela competia. Com a emoção de ver Rayssa Leal ganhar uma medalha e se tornar uma inspiração para dezenas de meninas brasileiras, ela contou a Universa sobre não ter tido referências para se identificar. Ela precisou ser a própria referência, mas acredita que a nova geração é muito mais do que ela imaginou. “O que está acontecendo agora é o mínimo. Nos meus sonhos, a gente viveria num mundo onde a mulher existe da mesma maneira que o homem, e comemora a medalha e ponto. Não o fato de ser uma mulher ganhando uma medalha ou de estar ali.”
6. Lançou uma coleção exclusiva e incrível de shapes
Para combinar seus dois amores, música e skate, ela lançou uma linha de shapes inspirados em seu álbum “Papel de Carta”. Com 20 modelos exclusivos, a marca responsável pela colaboração foi a Ratus Skate Shop e podem ser comprados no site da loja.
7. Trata sobre a maternidade real nas redes sociais
Com a chegada da maternidade em 2016, ela compartilhou os desafios enfrentados em seus vídeos no Youtube e atualmente divide com suas seguidoras no Instagram como ela e o marido educam a filha. Com fotos e vídeos da pequena Sky andando de skate, ela mostra que a filha puxou a paixão da mãe, mesmo sempre deixando claro que ela é livre para fazer as próprias escolhas.
8. Tem dois diplomas
Fora das pistas e dos estúdios, Karen se formou em dois cursos: Rádio e TV e Design de Multimídia. Ela também foi apresentadora do programa de esportes Jam da Mix TV em 2011 e produtora de conteúdo do site Garotas no Comando para divulgar as conquistas femininas no skate.
9. Ela faz as próprias peças de roupa de tricô
Tricotar era pra ser somente um hobbie da pandemia, aqueles que descobrimos durante o enclausuramento, para a cantora. Após terminar a primeira peça, um cachecol rosa, Karen postou um texto reflexivo sobre os novelos que havia herdado da falecida vó.
“Herdei as caixas de tricô, bordados e costura da vó, e como primeira neta tive uma infância imersa em pontos, novelos (e novelas) e ensinamentos.
Mas eu tive raiva de tudo isso. De ter sido ensinada uma coisa tão estereotipada como de menina. […] Observando as mulheres da família, percebia que eu não queria pra mim.
E sem separar uma coisa da outra, quebrei com tudo. Com medo de reproduzir um padrão, que nenhum fosse repetido então. Mas dessa forma, tem nuances importantes que se perdem. Porque a vida não é só ou isso ou aquilo. Tem coisas entre, no meio. Escalas de cores que não são apenas sim ou não, tudo ou nada.E faz parte do nosso papel entender que dá pra separar o que vale a pena ser transmitido e deixar pra lá o que pode então ser esquecido.”
10. Não tem registros de seus títulos mundiais
Além de não existir banheiros femininos em competições de skate até pouco tempo atrás, Karen revelou que não possui filmagens/gravações da época em que foi campeã mundial, as quatro vezes. As emissoras preferiam transmitir somente a competição mundial, algo que hoje nem é cogitado devido a grande repercussão do skate feminino desde os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Karen Jonz abriu as portas para diversas atletas mulheres terem a chance de competir no skate. Uma delas, Leticia Bufoni, também é considerada uma das pioneiras da modalidade e se tornou a primeira brasileira campeã mundial no skate street.