Dicas de Mulher
Nos últimos anos, houve um aumento de mulheres nos eSports, entretanto os problemas relacionados ao gênero ainda persistem. Assim como em outros esportes, o espaço é predominantemente masculino. A comunidade feminina está mostrando que manda muito bem nas competições, porém reconhece que alguns pontos precisam ser fortalecidos, como o sentimento de pertencimento, reconhecimento e acolhimento. Confira as oportunidades e desafios das gamers.
Perfil das mulheres gamers no Brasil
Dados da Pesquisa Game Brasil (PGB) 2023 mostram que as mulheres correspondem a 46,2% dos gamers no país (no ano anterior, eram 51%). Para a pesquisa, esse número está associado à mudança de foco da indústria, que mira na produção de jogos de celular para atrair os hardcore gamers – jogadores majoritariamente homens.
Embora as mulheres tenham expressiva participação no consumo de jogos digitais do mercado nacional, muitas não se veem como gamers. Segundo a PGB 2023, apenas 39,5% das gamers se identicam com o estilo de vida associado ao grupo (no ano anterior, a porcentagem era de 45,1%). Para a maioria dos entrevistados, o gamer é jovem e conhece tudo sobre jogos.
A maioria das mulheres se identifica como gamer casual, definindo 70,6% do grupo que joga no celular. As jovens entre 25 e 34 anos são as mais atingidas pelas publicidades em jogos mobile. A preferência pelo celular (56,7%) supera meios considerados tradicionais, como o console (29,3%) e o computador (28,5%).
O investimento em publicidade pode trazer mais mulheres para o mundo dos jogos, porém a influência familiar é essencial, independentemente se os pais são jogadores ou não. Foi assim que Ana Xisdê, apresentadora e criadora de conteúdo, Sher Machado, streamer na INTZ, e Lahgolas, caster na Riot Games, tiveram o seu primeiro contato com esse universo.
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Muito mais que um passatempo: as mulheres no mercado de trabalho
A figura do pro player (competidores profissionais) se destacou nos últimos anos com o aumento da visibilidade dos campeonatos mundiais de jogos eletrônicos. Os eSports são transmitidos em plataformas de streaming, como o Twitch e Youtube, além de canais de esportes na TV por assinatura. Nesse cenário, há diversas áreas de atuação, como streamers, comentaristas (caster), criadores de conteúdo, programadores de jogos, ilustradores e sound designers.
Embora seja uma área de entretenimento em crescimento, a presença das mulheres ainda é pequena. Nas indústrias desenvolvedoras de games, elas representam 24,3% da força de trabalho, considerando colaboradoras e sócias dos estúdios, de acordo com os dados da Indústria Brasileira de Games 2023. Em comparação com 2021, houve uma queda da representatividade feminina, que era de 29,8%. No entanto, é importante apontar que o número cresceu ao longo dos anos: em 2014, eram 15%; e em 2020, 20%.
Atualmente, a maior concentração de colaboradoras está nas áreas de artes e design (44%), administrativo e financeiro (17%), bem como programação e gestão de projetos (15%). Espaços que devem ser cada vez mais ocupados no futuro.
Por mais mulheres desenvolvedoras!
Algumas iniciativas visam a inclusão da mulher no cenário de tecnologia e games, entre elas, a Women Game Jame (WGJ): uma maratona de desenvolvimento de jogos eletrônicos direcionada às mulheres cis, trans e pessoas não binárias. O evento, organizado só por mulheres, não é competitivo, pois busca integrar as participantes, fortalecer a comunidade feminina e oferecer capacitação. Ao longo de quatro edições, 1.356 pessoas já participaram da maratona e 175 jogos foram criados.
A WGJ foi uma das organizadoras do Change The Game, em parceria com o Google Play e Ideias de Futuro. A competição online também é voltada para mulheres e pessoas não binárias, porém somente estudantes do ensino fundamental e médio podem participar. A terceira edição contou com 1.490 inscritas, separadas em 679 equipes e em 26 estados brasileiros.
Outra iniciativa voltada para desenvolvedoras de jogos é o Game Jam das Minas, do coletivo de mesmo nome com apoio da Unicef. A maratona, que ocorre desde 2018, faz parte da iniciativa global Game Changers Coalition, atuante em cinco países, de acordo com a Unicef. A partir desses eventos, jovens mulheres podem entrar na indústria de jogos mais capacitadas e fortalecidas.
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Desafios enfrentados pelas mulher nos eSports
Layze Brandão (ou Lahgolas, como é conhecida na comunidade), caster de League of Legends (LOL), enfrentou dois principais desafios em sua jornada para viver exclusivamente de games. O primeiro foi o alto investimento inicial em peças para montar um computador gamer, bem como os custos com equipamentos audiovisuais. No entanto, o segundo desafio é mais caro do que qualquer equipamento:
“Eu tinha muito medo de sofrer algum tipo de ataque de ódio durante as minhas lives, por ser uma mulher preta e nordestina. Eu sei que participar dessas minorias, às vezes, incomoda”.
– Lahgolas
A violência contra a mulher é uma realidade que acompanha as gamers desde cedo. Jogadores machistas disseminam agressões, que vão do assédio moral às ameaças sexuais. Com medo da violência, muitas usam nicknames masculinos ou sem referência ao gênero.
Jogar em contato com outros gamers é uma interação comum. A pesquisa Diversidade, Inclusão e Toxicidade em Jogos (DIT), realizada pelo Projeto Fierce, organização que incentiva coletivos de diversidade e inclusão dentro dos jogos eletrônicos, identificou que 86,9% dos gamers que utilizam chats de comunicação em lives já escutaram ofensas e outros comentários negativos durante o uso da ferramenta. Deles, 67% são mulheres cis e trans.
Com o objetivo de combater a violência de gênero online, em 2017, foi criada a hashtag #MyNameMyGame. O movimento denunciou a escalada de violência contra as jogadoras e buscou uma ação mais efetiva da indústria para punir os agressores. Na época, a campanha convidou homens para jogar uma partida online usando nomes femininos. As agressões foram gravadas e usadas para mostrar à comunidade o dia a dia da mulheres.
O machismo é uma das raízes da violência. “No início da minha carreira, trabalhei em um lugar onde uma pessoa da equipe claramente tinha um problema comigo só pelo fato de eu ser mulher”, relembra Ana Xisdê. “No começo, achei que era pessoal e me esforçava muito para tentar resolver a situação, mas nada adianta. Eu comecei a perceber que o problema dele era com mulheres em geral”.
Falta incentivo e oportunidade
Ana Xisdê acredita que o maior desafio das mulheres nos eSports é combater o machismo. “Na minha opinião, o problema maior hoje é ainda ter que mostrar que é boa, muito além do que um homem precisaria. Se um homem é bom, a mulher tem que ser excelente para poder ter seu lugar. Não é fácil”.
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Desde cedo, os meninos são incentivados a gostarem de jogos eletrônicos e aprendem que esse entretenimento é ‘coisa de homem’. Em contrapartida, as meninas não recebem o mesmo incentivo, na verdade, muitas vezes, são desmotivadas a jogarem. A segregação alimenta o sexismo, cria um ambiente tóxico e limita as oportunidades das mulheres:
As pessoas ainda não nos olham da forma como deveriam. São poucas as mulheres que têm destaque, as que são convidadas para eventos. Para além disso, precisamos fazer um recorte de raça e perceber que o cenário ainda é um sonho para quem é mulher negra e trans.
– Sher Machado
A falta de referências femininas e de representatividade também atingiu Lahgolas no início da carreira. No entanto, ela encontrou apoio para buscar seus objetivos em dois coletivos ativos na época, a Sakuras Esports e a Wakanda Streamers. O primeiro era dedicado a fortalecer a presença feminina nos eSportes, já o segundo, a presença de pessoas negras, que atualmente funciona como um aquilombamento, segundo Lahgolas.
Importância da representatividade feminina
A falta de referências foi um dos motivos que levaram Sher a se profissionalizar. “A nossa presença é importante para que tenhamos o sentimento de pertencimento. De pensar que sim, nós podemos alcançar estas posições, podemos trabalhar com o que gostamos e tudo mais”. A gamer foi a primeira streamer trans do clube esportivo INTZ e ganhadora do prêmio CCXP Awards, na categoria Melhor Streamer Feminina de 2022.
Ana Xisdê vê uma evolução importante nos eSportes. “Acredito que o maior avanço foi a criação desse senso de pertencimento. Quando as meninas e mulheres gamers entenderam que esse lugar também é delas, a gente passou a marcar presença”.
Rafaela Arnoldi, coordenadora de comunicação e relações públicas na Gamers Club, compartilha da mesma opinião. “É importante que esse espaço seja construído para inspirar e tornar mais fácil o caminho dessas pessoas ao longo dos anos. Sabemos que não partimos dos mesmos privilégios, por isso, as iniciativas inclusivas e a visibilidade se fazem necessárias”.
Iniciativas em busca de diversidade e inclusão
Incentivo e acolhimento são duas palavras-chave para fortalecer a presença de mulheres nos eSports. Abaixo, conheça algumas iniciativas que são referências para meninas e mulheres gamers:
- You Go Girls: criada em 2018 por Nayara Dornelas, caster e analista de Valorant, para acolher, fortalecer e dar maior visibilidade ao cenário feminino de eSports. O site é referência em cobertura de campeonatos femininos e inclusivos.
- Revelah Casters: comandado por Lahgolas, o projeto visa capacitar mulheres cis, trans e não bináries no caster e produção de conteúdo sobre eSports. Desde 2021, oferece mentorias, feedback, rede de apoio e network para quem está no início da carreira.
- Afrogames: nasceu da parceria entre o Grupo Cultural AfroReggae e a Chantilly Produções. Seu objetivo é capacitar e profissionalizar jovens de baixa renda em favelas da cidade do Rio de Janeiro para o mercado de eSports. Embora não seja um projeto direcionado apenas às mulheres, o espaço é aberto à diversidade e inclusão.
Para promover a inclusão e a permanência da mulher nos eSports, é necessário uma ação conjunta. Programas e ações de capacitação feminina abrem portas, entretanto, o mercado de trabalho precisa expandir seus horizontes e repensar a cultura organizacional machista.
O papel do mercado de trabalho
A visibilidade também deve partir da indústria, promovendo eventos e contratações pautados pela diversidade. “Visibilidade, mais mulheres em cargos de liderança, a não normalização da violência que mulheres e minorias sofrem em diversos aspectos. Precisamos falar sobre, precisamos combater”, afirma Rafaela Arnoldi.
Um exemplo é a Gamers Club, pioneira na elaboração e promoção de campeonatos inclusivos. Segundo a assessoria, a empresa é “a primeira organizadora de campeonato a aceitar mulheres trans em seus torneios”. Também foi a primeira a oferecer igualdade de premiação entre o cenário feminino e o misto, com a Gamers Club Masters Feminina.
“O modo como desenvolvemos a comunidade faz com quem tenhamos ela junto conosco na elaboração e desenvolvimento dos projetos. Nós criamos, ouvimos, melhoramos e estamos junto a comunidade”, afirma a assessoria. “Na Gamers Club, os projetos e iniciativas são genuínos e partem do ponto de comunidade em primeiro lugar”.
As marcas também têm um papel importante: “marcas que confiam e acreditam na construção de uma comunidade melhor, que dão espaço e amplificam nossa voz. Marcas que não só fazem ações somente durante datas específicas, mas, sim, trabalhando ao longo do ano para proporcionar cada vez mais inclusão”, reforça Sher Machado.
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Ana Xisdê
Ana Xisdê é apresentadora freelancer de eSports e criadora de conteúdo do universo gamer. Antes de investir nessa carreira, cursou Pedagogia, com especialização em ensino de matemática. Em 2019, Ana Xidês foi eleita a Melhor Caster do Brasil, pelo Prêmio Esports Brasil, e três vezes finalista da categoria Melhor Apresentadora do Mundo, pelo Esports Awards. Ana é a primeira brasileira a compor o júri dessa mesma premiação. Em 2023, retorna à premiação indicada a Melhor Apresentadora de Esports.
Layze Brabdão – Lahgolas
Lahgolas é comentarista e analista do jogo League of Legends (LOL), além de idealizadora do ReveLAH Casters. Atualmente, trabalha no CBLOL e CBLOL Academy, ambos torneios da Riot Games, atuando como narradora dos campeonatos da casa. Também é streamer de jogos, entre eles, LOL, Valorant e Fortnite.
Sher Machado – Transcurecer
Sher Machado abre caminho para muitas mulheres trans e pretas no universo gamer. Ela foi a primeira streamer trans do clube esportivo INTZ e ganhadora do prêmio CCXP Awards na categoria Melhor Streamer Feminina de 2022. É uma das idealizadoras da Copa Rebecca Heineman, voltada para pessoas trans. O campeonato foi lançado em 2021 apenas para LOL, atualmente, promove competições em quatro modalidades: Valorant, Wild Rift, LOL e Free Fire.
Nicolle Merhy – Cherrygumms
Cherrygumms, como é conhecida no cenário gamer, é sócia e CEO da Black Dragons eSports. Sua carreira começou como jogadora profissional de Rainbow Six Siege, no time Black Dragons, e foi, por muito tempo, a única mulher titular na modalidade. Gameinfluencer, youtuber e empresária, atualmente, trabalha para alavancar sua empresa no cenário internacional e proporcionar um ambiente cada vez mais aberto e cheio de oportunidades para as mulheres.
Babi Micheletto
Babi Michelette iniciou a carreira de caster em 2018, porém está no cenário de eSports há 15 anos. Atualmente, narra campeonatos como CSGO, League of Legends, Valorant, R6, Free Fire e Fifa na Gaules TV. Em 2022, foi vencedora do Prêmio Esports Brasil, na categoria Melhor Caster. Também é streamer na plataforma Twitch, fundadora da RedCat Produtora, empresa que oferece gestão de conteúdo e produção audiovisual para gamefluencer, do PodeCasting, do Taça das Minas e da Babi Challenge.
Andreza Delgado
Especialista em cultura nerd e games, a apresentadora e podcaster Andreza Delgado também é cocriadora da PerifaCon, a primeira convenção nerd das favelas, e criadora do Portal PerifaCon, voltado para a cultura pop. Andreza produz dois eventos de eSports: a Copa das Favelas e o Game Perifa. Em seu podcast, Lança a Braba, fala sobre cultura pop em geral, mas principalmente sobre a importância da democratização da cultura geek nas favelas.
Malena
Malena é gamer, streamer e criadora de conteúdo há 11 anos. É considerada uma das pioneiras em conteúdo gamer no YouTube, onde reúne mais de 1,095 bilhões de visualizações. A gamefluencer faz lives diárias de jogos, entre eles, GTA RP (seu principal jogo), Minecraft e Valorant. Também está presente no Twitch, TikTok, Instagram, Facebook e X.
Bruna Gabriela – Ithuriana
Bruna Gabriela, conhecida como Ithuriana, é apresentadora na W7M Esports, influencer no Squad Gamer Banco do Brasil e criadora de conteúdo de games e cultura pop. Antes de se profissionalizar no mercado gamer, cursou Direito pela UNB e é bailarina. Seus canais são recentes, mas são planejados desde 2015. Em suas redes sociais, há gameplays, curiosidades e cobertura de eventos.
Gabriela Maldonado – GaBi
GaBi Maldonado é a pro-player com mais títulos em Counter Strike Global Offensive (CS:GO) no Brasil. Sua carreira começou aos 16 anos e, desde então, coleciona conquistas. A jogadora da Furia, time de eSports, já disputou oito mundiais, e reúne 53 títulos como campeã e três como vice-campeã mundial. Também é streamer de CS:GO e Valorant no Twitch.
Stephanie “Teca” Santos
A streamer Stephanie Santos é a primeira mulher brasileira a participar de um time profissional de FiFa. Atleta pela empresa de eSports dinamarquesa Astralis, Teca é a primeira a fazer parte da divisão de elite do jogo, a primeira a disputar um qualify e ser a campeã da primeira edição do torneio Platina do Brasil, competição oficial de PlayStation, e da primeira edição da Copa do Mundo feminina de Fifa. Com tantas primeiras vezes no futebol eletrônico, vale a pena conferir seu conteúdo!
Ao consumir conteúdos criados por mulheres, você dá visibilidade para o trabalho delas. Não pode mais haver espaço para machismo e preconceitos, seja no eSports, no futebol feminino ou em qualquer outro esporte. O cenário gamer ainda precisa de muita desconstrução, porém, uma coisa é certa: as mulheres estão mandando muito bem!
Fernanda Paixão
Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.