Dica de Mulher
A mutilação genital feminina, ainda presente em muitos países, viola os direitos das mulheres. A prática coloca em risco a integridade física e emocional de adolescentes, além de perpetuar a violência e o machismo. A professora de sociologia, Bárbara Almeida, falou sobre o tema, abordando questões culturais, avanços sociais e as consequências do procedimento. Acompanhe!
O que é a mutilação genital feminina?
Segundo a socióloga, a mutilação genital feminina (MGF) ou circuncisão feminina, como também é chamada, acontece em determinados países do mundo. “A prática consiste em fazer um corte ou remoção da genitália da mulher para retirar os lábios vaginais ou o clitóris”. Em algumas culturas, a MGF é vista como um tipo de ritual de transição da infância para a vida adulta.
De acordo com estudos realizados em múmias, estima-se que a mutilação genital já acontecia há mais de 5 mil anos. Além disso, na Roma antiga, colocavam anéis na vagina das mulheres para impedir a procriação. Outra hipótese é que a prática surgiu entre escravos muçulmanos, no século XVIII, sendo posteriormente adaptada por indígenas. A partir disso, a MGF se propagou entre povos, culturas e religiões. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 200 milhões de meninas e mulheres já foram mutiladas.
Para conscientizar a sociedade sobre a urgência de erradicar a prática, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 67/146, implementou o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. No entanto, apesar da manifestação e da luta para abolir o ritual, estima-se que, até 2030, cerca de 68 milhões de meninas e mulheres ainda poderão ter o órgão genital mutilado.
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O que envolve o ritual: tipos e países
Aspectos “culturais, pressões sociais para aceitação, crenças religiosas e a estética ligada à pureza feminina” contribuem para a recorrência da MGF. De acordo com a socióloga, em várias culturas, acredita-se que a mutilação é uma forma de higienização e uma prática que ajuda a manter o prazer sexual masculino.
Em geral, o ritual acontece durante a infância até os 15 anos. Na maioria das vezes, é realizado sem higienização, utilizando o mesmo objeto cortante em inúmeras meninas. Além do risco iminente à saúde, a prática é uma violência contra as mulheres, adolescentes e crianças, que têm as pernas amarradas e usam apenas ervas como analgésicos para aliviar a dor.
Dependendo do tipo de mutilação, a vagina e a uretra ficam com um pequeno espaço para a saída da menstruação e da urina. Em alguns casos, é preciso abri-la no momento do parto – o que pode gerar infecções e outras complicações para a mãe e o bebê.
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Tipos de mutilação genital feminina
Segundo a socióloga, existem três tipos de mutilação genital feminina praticadas no mundo: clitoridectomia, excisão e infibulação. Abaixo, confira as especificidades de cada uma:
- Clitoridectomia: “ocorre a remoção parcial ou total do clitóris e da pele no entorno” da genitália feminina.
- Excisão: é realizada a “remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios”.
- Infibulação: “é realizado um corte ou reposicionamento dos grandes e pequenos lábios”. Normalmente, a vulva também é costurada, deixando uma pequena abertura para a mulher urinar e menstruar.
- Outros: ainda de acordo com a socióloga, existem outras formas de mutilação que incluem todos os tipos mencionados em um só procedimento.
Em condições insalubres, a mutilação genital feminina, além de desumana, mostra que a sociedade evoluiu em tantos aspectos (por exemplo, tecnológico), porém ainda continua estruturada em uma visão patriarcal, que busca respaldo na religião e na cultura para propagar violências.
Onde a mutilação genital feminina é feita
Embora a MGF esteja concentrada em 30 países do Oriente Médio e da África, ela também acontece “em alguns países da América Latina e em comunidades de imigrantes que vivem no Leste Europeu, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia”, destaca a socióloga. Na Colômbia, por exemplo, em 2007, a morte de duas meninas indígenas, da tribo emberá, chamou a atenção de autoridades e organizações internacionais que tentaram conscientizar esses povos sobre a gravidade da MGF.
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Nos Estados Unidos e em países europeus, a prática é ilegal, ainda assim, mais de 600 mulheres imigrantes já foram vítimas da mutilação. Em 26 países da África e Oriente Médio, existem leis específicas contra o ritual. Entretanto, apesar da redução de casos, a legislação está longe de ser efetiva.
No Brasil, a incidência da MGF ainda é muito grande, pois, nos últimos anos, o número de imigrantes africanos triplicou no país. A prática também acontece em alguns grupos indígenas. Contudo, a Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, foi modificada para a Lei nº 3.344, em 2015, a partir de então, caracterizou a prática como lesão corporal gravíssima.
Quais são as consequências da mutilação genital feminina
As consequências fisiológicas e físicas são severas e traumáticas para as vítimas, visto que é um procedimento sem embasamento científico. Segundo Bárbara, além de doloroso, a MGF é feita sem condições de higiene e “muitas doenças podem ser adquiridas no processo”. As mulheres perdem a identidade, o desejo sexual e o reconhecimento do próprio corpo (é importe ressaltar que a maioria não percebe que está em uma situação de violência e aceita a prática como uma condição da mulher). Para a socióloga:
“É como se os corpos dessas mulheres fossem públicos, já que elas não possuem autoridade sobre eles”.
– Bárbara Almeida
Os efeitos da MGF vão além da esfera da saúde pública e da vida privada. “Uma sociedade que não valoriza as mulheres reproduz comportamentos machistas, estimula o casamento infantil, reduz a participação feminina nas escolas e aumenta a desigualdade econômica entre homens e mulheres”. Além disso, “a prática reforça o ciclo de submissão na sociedade e perpetua a violação dos direitos humanos”.
Mutilação genital feminina e o controle sobre a mulher
A mutilação genital viola a liberdade sexual, o direito de expressão, propaga o controle do homem sobre o corpo da mulher, bem como a inferiorização feminina em uma sociedade patriarcal. “As mulheres submetidas a essas práticas não sentem prazer e não têm controle algum sobre seus corpos. Perde-se a identidade, o direito de escolha e cria-se um ódio sobre si mesma, mas sem compreender o porquê dessa sensação”.
Segundo Omnia Ibrahim, blogueira e cineasta do Egito, a mulher se transforma em um cubo de gelo, não sente nada, não ama e não tem desejo. Eu aprendi que “um corpo significa sexo e que sexo é pecado. Na minha opinião, meu corpo se tornou uma maldição”. Na concepção de países onde o ritual é praticado, uma mulher não mutilada é impura, portanto não é digna de se casar.
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Sobre isso, Bishara Sheikh Hamo, da comunidade Borana no Quênia, relata que foi submetida à mutilação aos 11 anos. “Minha avó me disse que era uma exigência para todas as meninas, que nos tornaria puras”. Assim, ao mutilar a mulher, entende-se que ela se torna submissa e vassala sexual para cumprir o papel de esposa domesticada e fiel ao marido.
Luta para erradicar a prática
A socióloga diz que grupos de mulheres começaram a se posicionar, mas ainda existe muito medo. “Segundo a ONU Mulheres, em 2008, o Unfpa e o Unicef estabeleceram o Programa Conjunto contra a MGF”. Esse é o maior programa global para abolir a mutilação genital feminina e fornece cuidados para crianças e mulheres que convivem com as consequências da prática.
Ainda segundo Bárbara, “até o momento, o programa ajudou mais de 3 milhões de meninas e mulheres a receberem proteção e serviços de assistência”. Para ela, somente as leis não são eficazes para erradicar a prática, pois “é necessária uma cobrança maior das autoridades, bem como dialogar e informar mulheres sobre o assunto.
Como visto, a mutilação genital feminina traz graves consequências físicas, emocionais e sociais para a vida de meninas e mulheres. É necessário educar e orientar as comunidades para compreenderem que a prática é uma forma de violência e violação dos direitos humanos. Também é importante lutar por um feminismo inclusivo, que abrace a pauta de todas as mulheres em todos os cantos do mundo.
Erika Balbino
Formada em Letras e pós-graduada em Jornalismo Digital. Apaixonada por livros, plantas e animais. Ama viajar e pesquisar sobre outras culturas. Escreve sobre diversos assuntos, especialmente sobre saúde, bem-estar, beleza e comportamento.