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A liberdade das relações amorosas e conjugais estão em pauta atualmente. Os termos poliamor e relacionamento aberto, por exemplo, percorrem as redes sociais diariamente. Mas você sabe o que é um relacionamento não monogâmico? Para compreender o assunto, confira as explicações do sociólogo, doutorando em ciências sociais, Rhuann Fernandes!
O que é a não monogamia?
De acordo com o sociólogo, a não monogamia é um termo que engloba vários modelos consensuais de relações baseadas na não exclusividade afetiva e/ou sexual, por exemplo: “o poliamor, o amor livre, o relacionamento aberto, o swing, a anarquia relacional, a poliginia, entre outros”.
A terminologia surgiu “em decorrência da popularização das categorias relacionais citadas”. Assim, refere-se às possibilidades plurais de relacionamentos. Para o pesquisador, a não monogamia permite que as pessoas transitem entre as diversas formas de expressar o amor, “proporcionando uma sensação de maior autonomia e flexibilidade”.
Tipos de relações não monogâmicas
A não monogamia é um termo guarda-chuva, ou seja, engloba outros conceitos, entre eles, relações livres, relacionamento aberto, poligamia e poliamor. Abaixo, o pesquisador explica cada um dos citados.
- Relações livres: geralmente ligadas às perspectivas mais anárquicas. As relações não são pautadas na obrigatoriedade do estabelecimento de vínculos afetivo-amorosos e sexuais.
- Relacionamento aberto: é uma relação entendida inicialmente como monogâmica. Então, ambas as partes concordam em se relacionarem com outras pessoas”. Geralmente, há liberdade para ter relações sexuais com terceiros/as, porém sem que haja vínculo afetivo.
- Poligamia: é uma prática de conjugalidade em que o homem ou a mulher pode ter vários parceiros sem que haja consensualidade e liberdade afetiva entre todas as partes. Há um único polígamo/a em cada relação e a prática pode ocorrer de duas maneiras: a poliginia, forma de poligamia em que um homem possui duas ou mais esposas; e a poliandria, a união em que uma só mulher é ligada a dois ou mais maridos.
- Poliamor: relacionamento íntimo e sexual simultâneo com mais de uma pessoa, com concessão e conhecimento dos envolvidos, que consideram possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
No geral, a sociedade é monogâmica, ou seja, preza por um formato de relacionamento em que cada pessoa tem apenas um parceiro afetivo e sexual. No entanto, essa é uma construção histórica e social. Acompanhe o próximo tópico para entender o assunto.
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História da monogamia e a idealização do amor
Nem sempre, a ideia em torno do amor foi baseada em uma relação monogâmica. Para o sociólogo, há um senso ocidental, construído por meio de fatores sócio-históricos, que define o formato dos relacionamentos. “Muitos dados históricos e antropológicos mostram como a colonização, em quase todo o globo, alterou milênios de conhecimento sobre a sexualidade”.
Rhuann Fernandes explica que, no ocidente, “o casamento legal monogâmico assumiu legitimidade a partir dos processos de industrialização que afetaram inteiramente as dinâmicas sociais”, ou seja, nada tinha a ver com o sentimento amoroso. Somente no final do século XVIII, “ocorreu a vinculação entre amor, sexo e conjugalidade.
A partir dos fatos apontados, o casamento deixou de ser um problema patrimonial e passou a ser percebido como algo romântico centrado na lógica da fidelidade. Assim, “concebe-se a monogamia e o amor como sinônimos”, cristalizando no imaginário social que essa é a única forma possível de relacionamento humano. No entanto, o pesquisador aponta a necessidade de questionar as estruturas e refletir sobre a pluralidade do amor.
Como funciona a não monogamia?
Como a monogamia é o padrão social, o que está fora da caixinha gera dúvidas. Assim, é normal querer entender o funcionamento de uma relação não monôgamica. O trisal Carol Rizola, Klayse (Kah) Marques e Douglas Queiroz relatou sua vivência para o Dicas de Mulher.
Tudo começou “em um momento que estávamos apenas conhecendo alguém e, logo em seguida, já estávamos apaixonados, então, o relacionamento não-mono era a única certeza que tínhamos”, conta o trisal. Carol, Kah e Douglas vivem um relacionamento poliamoroso fechado, ou seja, não desejam se relacionar com outras pessoas e possuem suas regras, que foram “definidas em conjunto com todos os envolvidos”.
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O pesquisador Rhuann Fernandes afirma que as pessoas não-monogâmicos “valorizam, principalmente, a autonomia, a franqueza e a liberdade no relacionamento afetivo-sexual”. Para ele, a monogamia é uma idealização superestimada, pois “os indivíduos podem amar e ser amados por mais de uma pessoa simultaneamente, prezando por um caráter ético de compromisso, consenso e honestidade”.
Vale ressaltar que nem sempre há liberdade no formato não monogâmico. A poligamia, por exemplo, em algumas culturas, propaga o machismo: o direito de se casar com mais de uma pessoa é concedido somente ao homem. É raro as sociedades que aceitam a poliandria. Isso coloca em pauta um viés patriarcal e opressor no qual a mulher não tem voz.
Existe ciúme em um relacionamento não monogâmico?
Apesar de ser um modelo de relação que presa pela liberdade afetiva e sexual, bem como pela honestidade, tanto o trisal quanto o pesquisador afirmam que o ciúme pode surgir. Segundo o sociólogo, o sentimento é “uma herança monogâmica” que precisa ser desconstruída por meio de “um processo complexo de transformação do eu, envolvendo a gestão dos ciúmes e a não comparação e hierarquização entre relacionamentos”.
O trisal relata que apesar de existir ciúme na relação, cada vez mais, isso se transforma em “um carinho e uma preocupação com as pessoas que amamos, muito diferente de posse”. Tal afirmação vai de encontro com a explicação do pesquisador: “o sentimento não é negado, mas trabalhado […] A diferença entre os não monogâmicos e os demais, em relação ao ciúme, é o exercício de lidar com o sentimento”.
Existe traição em uma relação não monogâmica?
O trisal é sucinto e categórico: “traição pode existir em qualquer formato de relacionamento”. Afinal, ocorre uma quebra de pacto entre os envolvidos. Entretanto, segundo o sociólogo, “na monogamia, ela assume um significado e na não monogamia, outro completamente distinto”. Isso porque o primeiro foca na exclusividade afetiva-sexual como acordo, já o segundo está centrado no diálogo.
Na monogamia, “a traição tem muito mais a ver com o fato de seu parceiro ter se relacionado com outra pessoa, descumprindo o acordo central, que é a exclusividade afetiva e sexual”. Já na não-monogamia, “a ideia de traição tem muito mais a ver com a ausência de diálogo e com a desonestidade do não dito”, pontua o especialista.
Como explicar a relação não monogâmica para os filhos
Carol, Kah e Douglas tiveram seu primeiro filho, Henrique, há pouco mais de três meses e revelam como pretendem falar sobre isso quando chegar a hora: “queremos deixar claro que infelizmente enfrentamos preconceito, porém, apesar disso, o amor é muito maior”. Já Rhuann Fernandes pontua que é importante desconstruir o modelo socialmente imposto, pautando a criação dos filhos na mudança dos papéis de gênero e desnaturalizando o ideal de maternidade.
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O pesquisador ressalta a importância do diálogo para a construção familiar e desmistificação do amor idealizado. Em suas palavras, “alertar os filhos sobre outras noções de mundo traz sensibilidades e alimenta a imaginação para além do olhar normativo”.
O preconceito que cerca as relações não monogâmicas
Segundo o especialista, o preconceito que existe contra a não monogamia surge do fato desse formato plural “não privilegiar os desejos masculinos, visar uma ética que procura combater o machismo e prezar pela liberdade sexual”. Além disso, a sociedade está cristalizada na idealização da família tradicional e da heteronormatividade: “repudia-se, por exemplo, três mulheres juntas, três homens juntos, dois homens e uma mulher, duas mulheres ou mais e um homem, pois quebra com uma convenção. O preconceito vem dessa quebra”.
A colocação do pesquisador vai de encontro à afirmação do trisal entrevistado: “o maior preconceito vem das nossas próprias famílias. A quebra da ‘família tradicional’ causou e ainda causa muitas chateações”. Além disso, nas redes sociais, as ofensas são constantes. Os três tentam lidar com a situação de maneira cômica “para que eles [os haters] percebam que as opiniões alheias e palavras ruins não interferem no nosso amor”.
Dicas para saber se a não monogamia funciona para você
Se você chegou até aqui, em algum momento, já se perguntou: será que uma relação não monogâmica é para mim? O sociólogo e o trisal citam alguns caminhos e questionamentos que poderão te ajudar a encontrar a resposta. Veja abaixo:
1. Questione-se sobre a pluralidade do amor
Para você, é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Qual seria a sua reação em uma relação afetiva e sexual fora da normatividade? Quais sentimentos surgem a partir desses questionamentos? Um dos preceitos básicos da não monogamia é a liberdade da relação, por isso, é importante pensar a pluralidade do amor. Segundo o especialista, “não deve haver cerceamento dos sentimentos e nem dos parceiros”.
2. Pense na sua autonomia
Lembre-se que a não monogamia preza pela autonomia e liberdade. Dessa forma, o sociólogo explica que as pessoas não monogâmicas procuram o ‘cuidado de si’ e a desconstrução social. A partir disso, é fundamental pensar se a sua autonomia é uma prioridade para você, se isso supera o seu desejo por uma relação monogâmica e se está acima da idealização do que é o amor.
3. Saiba que haverá conflitos a serem enfrentados
Assim como na monogamia, os relacionamentos não monogâmicos também passam por conflitos. Além dos problemas internos do relacionamento, haverá preconceito social. Você precisará dialogar bastante e confiar nas pessoas envolvidas. Segundo Rhuan Fernandes, para a construção e elaboração da não monogamia, é necessário, antes de tudo, reconhecer um caminho aberto a ser percorrido. Assim, os parceiros, por meio do diálogo, vão encontrando o que é melhor no decorrer da relação amorosa”.
4. Relacionamento aberto ou fechado?
Considere a sua preferência. Por mais que exista algumas construções sociais que precisam ser repensadas, algumas pessoas se sentem mais realizadas em uma relação monogâmica e está tudo bem. Como pontuado pelo trisal, uma relação não monogâmica “não é melhor ou pior do que outro tipo de relacionamento, só é diferente, uma outra forma de amar”.
5. Equidade deve ser prioridade
Outro princípio da não monogamia é a equidade de gêneros, que “procura desfazer as hierarquias de gênero e sexualidade existentes”. Segundo o sociólogo, de modo geral, “a sexualidade e as práticas sexuais são repensadas sem a moralização dos desejos e fantasias”, ou seja, sem a repressão dos sentimentos tanto para homens quanto para mulheres.
Seja monogâmica ou não, o mais importante é construir uma relação amorosa e sincera. Por isso, preze por um relacionamento saudável, com diálogo, carinho e muito companheirismo!
Karyne Santiago
Psicóloga apaixonada por literatura e psicanálise. Acredita que as palavras, escritas ou faladas, têm o poder de transformar.