Dinheiro e Carreira

Natali Gutierrez: “a gente queria algo diferente, ir para um lugar de prazer e diversão”

Dicas de Mulher

Sabe quando dizem que a filha tem a cara da mãe? É justamente isso que a gente pensa ao conversar com Natali Gutierrez, CEO da Dona Coelha – uma das maiores sex shop virtual do país. A sexóloga, educadora sexual e empreendedora leva sua energia serelepe ao mundo dos negócios, quebrando tabus, ocupando espaços e mostrando que, sim, prazer e diversão dão lucros.

Há 14 anos, de uma viagem de casal, nasceria um sonho. Ao lado do esposo e sócio, Renan de Paula, Natali percebeu que suas dúvidas sobre produtos eróticos não eram só suas. As embalagens traziam informações confusas, com linguagem rebuscada e técnica. O que fazer com esse gel? Será que é assim que usa? Entrar em um sex shop era sair com mais perguntas que respostas. Foi aí que o casal começou a compartilhar suas experiências online.

O e-commerce que começou com R$ 600, nos últimos anos, viu as cifras do lucro alcançarem a casinha dos milhões. Para chegar até aqui – e continuar crescendo, Nat precisou de muita criatividade e jogo de cintura. O mercado é machista, muitas portas se fecharam e o trabalho exige punho. Entre seus segredos do sucesso: responsabilidade com o público e muito prazer em oferecer produtos para o bem-estar sexual de todes.

Em entrevista ao Dicas de Mulher, Nat conta seu percurso à frente da sex shop feminista. Uma mulher que quebrou paradigmas em casa, na sociedade e inspira outras mulheres a explorarem as delícias e empoderamentos da sexualidade. Acompanhe.

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A toca da coelha

Dicas de Mulher

Geração Y, que viu o boom da tecnologia, Natali Gutierrez, com 32 anos, é a caçula de 3 irmãos. Nascida e criada na capital paulista, era uma criança muito tímida, até que ali, entre 9 e 10 anos, “segundo a minha mãe, eu me tornei a pessoa mais sem-vergonha, queria fazer amizade com todo mundo na escola”.

Em casa, teve uma criação bastante fechada. Como a maioria das meninas que cresceu nos anos 90, “meu pai era uma pessoa extremamente conservadora, machista, do patriarcado mesmo”. Se andar de pijama pela casa já não era uma possibilidade, falar sobre educação sexual, muito menos.

Nat conversava com as amigas sobre sexo, namoradinhos e preservativos. São outras épocas, é claro. Sua mãe, por exemplo, nunca havia visto um vibrador – “o primeiro, eu que apresentei quando comecei a trabalhar com sexualidade”. A falta de diálogo, a repressão feminina do prazer e o não entendimento das mudanças corporais influenciam nossa vida:

Eu costumo dizer que, em uma vida inteira, falaram para a gente não botar o dedo na tomada porque dá choque. Magicamente, um belo dia, todo mundo começa a falar – ‘bota o dedo, é legal, toma choque não’. Pra mim, sempre foi um ‘não coloca a mão aí, é feio, mocinhas não fazem isso’. Então, quando entrei no universo da sexualidade, foi um grande choque.
– Natali Gutierrez

A gente cresce sem conexão com a nossa sexualidade. Como na metáfora da tomada, temos medo de tocar nosso corpo, conhecer a vagina, a vulva, o prazer. Então, o processo de autoconhecimento é muito dolorido. Ter uma vida sexual ativa passa por um grande choque, desencadeia culpa, vergonha, falta de informação. Nat conta que não tinha a menor noção do que era prazer antes de começar a trabalhar com a Dona Coelha. Na juventude, também não se imaginava empreendedora, muito menos atuando nessa área. “Eu sempre quis ter uma profissão que trabalhasse com pessoas”.

Quando começou sua primeira graduação em Marketing, não tinha muita certeza da carreira que queria seguir. “Após me formar, fui fazer Relações Públicas, e foi aqui que eu me encontrei!” Nesse período mais ou menos, conheceu Renan, começou a escrever um blog, porém jamais imaginava que estava dando os primeiros passos para construir a carreira de sua vida.

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A coelha sai da toca

Em 2010, Nat e Renan começaram a namorar. O casal estava planejando a primeira viagem juntos e uma amiga perguntou: “vocês não querem levar umas coisinhas para usarem?” Nat respondeu: “eu nunca usei nada”. Mesmo assim, ela comprou alguns produtos eróticos e prestou toda a atenção nas explicações da amiga.

Quando chegou o momento de testar os produtos, “eu falei pro Renan – comprei umas coisas pra gente usar e eu quero te mostrar. E ele disse – pega lá, eu também nunca usei nada, vamos ver como vai ser isso?” É interessante porque, há 14 anos na Dona Coelha, “ainda vejo que uma grande quantidade de homens rejeita o uso de qualquer produto. O Renan nunca criticou. A gente estava junto há pouquíssimo tempo e eu levei um monte de coisa”.

Nat foi mostrando e explicando detalhadamente o modo de uso dos produtos para o Renan. Até que ele solta “a grande frase fatídica da história da Dona Coelha – mas é pra gente usar ou você tá querendo me vender?” O casal usou, teve experiências boas e ruins. Faltava algo. Uma informação mais acessível. Por exemplo: “eu passei um produto que foi demais e acabou queimando, ardendo”.

Depois desse dia, todo final de semana, o casal visitava um sex shop diferente. No geral, atendimento muito raso e ninguém se importava em auxiliar durante as compras. “E foi daí que nasceu o blog LOV3. “A gente escrevia como tinha sido nossa experiência. O que a gente tinha gostado, o que a gente não tinha gostado, porque que era tão frustrante ou porque que era tão divertido”.

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O blog foi crescendo, as pessoas queriam comprar os produtos e a ideia de empreender começou a brotar. De boca em boca, no youtube e nas redes sociais, cada vez mais o negócio ganhava corpo e popularidade, sempre com esta intenção: “que as pessoas tenham tranquilidade para se informarem sobre produtos eróticos e sexualidade sem se sentir julgadas, sabe? Mais acolhidas e menos julgadas”.

Nessa época, Cinquenta Tons de Cinza estava em alta – tudo tinha preto, chicote, máscara e muito neon. “A gente queria algo diferente, ir para um lugar de prazer e diversão, porque sexo é divertido”. Foi aí que a marca passou por uma repaginada:

O coelho é um símbolo fofo. A maioria das pessoas gosta de coelhinho. Por outro lado, ele é um dos bichinhos que mais se reproduzem, por isso a coelha. E o Dona, a gente sempre buscou ser autoridade no assunto, sempre pesquisou muito. O Dona traz esse respeito. A junção das palavras une doçura, sensualidade, autoridade e respeito.
– Natali Gutierrez

O negócio que começou pequeno, com R$ 600, estava recebendo mais e mais demandas. “Tudo o que a gente construiu foi com nosso suor. A Dona Coelha era o prazer da nossa vida, aos finais de semana e quando a gente chegava do trabalho”. Chegou o momento de dar o próximo passo. Nat largou o trabalho CLT para se dedicar exclusivamente à sex shop.

A coelha na toca dos lobos

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Na hora de negociar, “nunca negociavam comigo, queriam negociar com o Renan”. Quando Nat foi abrir uma conta no banco, escutou – “seu marido sabe que você tá aqui querendo abrir essa conta?” Na época, não havia muitas mulheres no mercado de produtos eróticos, eram homens vendendo para homens. Atualmente, “o cenário mudou muito” – embora ainda exista machismo.

Para Nat, a presença do Renan, de alguma forma, minimizou os ataques machistas. “Tenho amigas do seguimento que já passaram por coisas piores”. Ainda assim, por diversas vezes, ela recebeu fotos de pênis, gente querendo comprar calcinha usada e falando para ela se dar mais respeito. “É desafiador ser uma mulher empreendedora, em qualquer área, e é desafiador trabalhar com seu parceiro 24 horas por dia”. Para isso dar certo:

A base do meu relacionamento é a honestidade com os sentimentos e a construção diária. Não é fácil, mas tudo é possível se for honesto, se houver cumplicidade, se um estiver ali pelo outro. A gente se magoa, fala coisas que machucam, se arrepende, volta para casa e lembra do porquê divide a vida. Eu não trocaria por nada.
– Natali Gutierrez

Cúmplices, o casal estudou o mercado, buscou entender seu público, investiu em uma comunicação acessível, transparente e acolhedora. “Eu vou colocar no meu site tudo o que você precisa saber, sem juridiquês. A compra e a entrega são discretas, sem menção do nome da loja na embalagem. A pessoa receberá uma caixa parda. “Pode até receber no trabalho! Ninguém saberá que você comprou produtos eróticos”.

A Dona Coelha também oferece atendimento pelo WhatsApp, e-mail e redes sociais. É comum chegar dúvidas sobre os produtos, primeiras compras e pedidos de recomendações. “Eu não vou ser hipócrita, é lógico que eu preciso vender para segurar todo o rojão de contas, aluguel etc., porém o mais importante para mim é que você use o que está comprando. Um toy de R$ 700 pode não ser o melhor para você”.

O público varia bastante. Há mulheres de 25, 30, 40… “tenho clientes de até 70 anos”. Sabe quando você come um alimento pela primeira vez, não gosta, porém resolve experimentar novamente? Muitas mulheres tiveram experiências frustrantes com sex toys, mas decidem dar uma segunda chance. “E aí, chegam até a gente. Eu fico muito feliz porque a Dona Coelha conseguiu chegar num lugar de autoridade que eu tanto buscava. De passar respeito e as pessoas confiam no nosso trabalho, confiam nos nossos produtos”.

Coelha, coelhinhas e coelhadas

Em 14 anos de história, a Dona Coelha conta com muitas coelhinhas espalhadas pelo país. Para Nat, a missão de seu trabalho é “incentivar as mulheres a conhecerem seu corpo a pararem de aceitar o mínimo”. O prazer é diversão, é gostoso, libertador:

Melhora o relacionamento, melhora a vida pessoal, a pele, a autoestima, melhora tudo. Mas não é fácil. É uma chavinha que vira. E aí tem religião, filhos, muitas vezes, marido machista, amigas machista.
– Natali Gutierrez

Nat incentiva as mulheres a buscarem a chavinha que vira, a não terceirizarem o prazer. Mulher é potência, “a gente nasce mulher e isso carrega um peso enorme. Se a gente conseguir gozar na boa, sozinha, e ter consciência disso… eu já estou superfeliz”.

Quebrar as caixinhas e mostrar que o mundo não é servir ao prazer dos homens. “É isso que os filmes pornôs mostram, as novelas de antigamente, a história”. Para Nat, a caminhada até o orgasmo pode ser tão gostosa quanto chegar lá. O importante é se divertir, aproveitar o momento e não buscar o inalcançável:

Nenhuma vulva é igual a outra, nenhuma experiência é igual a outra, nenhum sex toy é igual a outro, e o que é bom pra você, pode não ser bom pra outra pessoa e vice-versa. Além disso, a busca pelo orgasmo não pode ser a sua missão de vida. A missão de vida deve ser a conexão com a sua intimidade, com o seu corpo, você se descobrir, porque senão você fica na função assim, Ah, eu quero gozar.
– Natali Gutierrez

Quanto mais você encasqueta na missão – quero gozar, quero gozar, quero gozar, menos aproveita o momento, e muitas vezes não goza. A experiência é individual. “Busque algo que te faça bem. A única pessoa que vai saber se foi bom o suficiente pra você é você mesma. Divirta-se”. Diversão, talvez, seja a palavra-chave dessa matéria, do sucesso da Dona Coelha, da presença da Nat. Talvez, diversão seja a palavra-chave para vivermos com mais leveza.

Em um momento muito especial, “que é gerando minha filha, Íris – ela é nosso bebe arco-íris”, Nat conta que está realizada, aproveitando a família, as descobertas, atenta às mudanças corporais, sem romantização. “É desafiador. É muito interessante e muito desafiador”.

Cada gestação é muito particular. Os hormônios ficam fora da casinha. “É como se eu estivesse ticando um checklist de coisas que não sabia se era verdade. Eu tenho orgasmos mais intensos, mais rápidos”. Nat fala sobre a importância de conversar sobre sexo com a médica que está acompanhando a gestação e trocar experiências com outras mulheres. Grávidas também fazem sexo.

Uma rapidinha com a Dona Coelha

É assunto que dá para passar uma tarde inteira conversando com a Nat. Ela é serelepe, falante, toda divertida. Com certeza, não perderíamos a oportunidade de chamar a Dona Coelha para uma rapinha! Vamos descobrir suas preferências:

  • Vibrador: yanlian
  • Lubrificante: escorrega
  • Acessório: algema
  • Entre quatro paredes: com consentimento, bora para cima!
  • Masturbação: é essencial
  • Sexo anal: não é minha praia
  • No sexo, cancelo sem dó: não aceito ser obrigada a fazer alguma coisa
  • No sexo, o mais importante é: troca, olho no olho
  • Dona Coelha: é minha vida
  • Nat: serelepe

O empoderamento sexual é revolucionário. Nat deixou a redação inspirada por aqui. “Eu sou uma grande quebra de paradigmas na família, sabe? Agora, a palavra vibrador não saí mais dos eventos de família. Minha mãe diz – ‘minha filha é sexóloga, ela tem uma sex shop’ – e isso me deixa muito feliz”. Que o futuro seja de boas vibrações, que mais e mais mulheres sejam empreendedoras, livres, donas de seu prazer. Que sejamos sempre quem sempre sonhamos ser.

Toda vez que você me lê, a gente se torna um pouquinho amigas. Acredito na escrita como ponto de encontro, fofoca, compartilhamentos e trocas. Sou mestre em literatura. Poeta. Revisora. Redadora. Que o nosso tempo juntas seja divertido.