Sociedade

Queer: estranhos que resistem às bizarrices da heteronormatividade

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Em 21.12.22
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O movimento queer, representado pelo ‘Q’ na sigla LGBTQIA+, desperta muitas dúvidas e curiosidades, pois não é tão popular quanto as demais abreviações. O ‘termo guarda-chuva’ abarca a diversidade, transgride padrões e resiste ao sistema. Conheça o genderqueer com os entrevistados: Bruno Andrade, psicólogo da Queer análise; Lívia Rodrigues, pesquisadora de gênero, e Soleil Yaegashi, estudante de psicologia.

O que é queer?

Bruno Andrade explica que o termo queer, traduzido do inglês, significa: estranho, esquisito e bizzaro. A palavra já foi muito “utilizada de forma pejorativa para xingar travestis e pessoas homossexuais”. No Brasil, é possível fazer um paralelo com expressões que visam diminuir moralmente o sujeito, como ‘bicha’, ‘sapatão’ e ‘traveco’. Entretanto, Lívia Rodrigues relata que “o termo é reivindicado e ressignificado pelos LGBT’s. O sujeito queer assume uma posição de comportamento transgressivo que não respeita a heteronormatividade e busca estabelecer disposição de contestação”.

Historicamente, “é difícil definir com exatidão quando os estudos queer tiveram início”, explica Bruno Andrade. Embora os estudos acadêmicos sobre sexualidade já existissem na década de 70, somente em 1980 o cenário sofre impacto. “Com a epidemia da AIDS, passou-se a pensar e compreender que a sociedade marginalizava qualquer pessoa ou grupo social fora da normatividade imposta pelo meio”. Diante desse cenário, em 1990, foi criada a Queer Nation, assim, a palavra queer, anteriormente usada para injuriar, “é reivindicada orgulhosamente e recontextualizada de maneira mais afirmativa pelas pessoas transgressoras do sistema sexo/gênero/desejo”.

O termo ressignificado se torna uma bandeira de luta, resistência e existência. Segundo o psicólogo, “no Brasil, algo parecido acontece quando pessoas se autodenominam com palavras que possuem uma carga semântica de ofensa, por exemplo, viado”. Assim, “o movimento queer tem por objetivo criticar as exigências sociais, os valores e as convenções culturais que são impostas forçosamente”. Os padrões de normalidade são passados de geração em geração e tratados como naturais, quando, na verdade, camuflam preconceitos e desigualdades. É contra isso que vai se denominar uma existência queer.

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Entre os pesquisadores fundamentais para o desenvolvimento e conceituação do termo queer, estão Teresa de Lauretis e Judith Butler. Teresa, como aponta Bruno, “fala sobre uma Teoria Queer, campo téorico que visa descontinuar a cis-heterossexualidade compulsória imposta como condição para todos os indivíduos da sociedade”. Já Butler discute a identidade de gênero como algo performativo, ou seja, não determinado pela genital do nascimento e nem cristalizado.

Segundo a pesquisadora de gênero Lívia Rodrigues, “a teoria queer é uma linha dos estudos em gênero que teve como seu marco principal a obra ‘Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade’ (1990), da filósofa Butler”. Ao questionar a distinção entre sexo biológico e gênero, o livro “provocou uma revolução entre as feministas e abriu caminho para a construção da variável de identidade”.

Bandeira queer: as cores da resistência

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A bandeira queer foi criada em 2011 por Marilyn Roxie como símbolo de resistência à cis-heternormatividade. A cor lavanda representa a androginia, associada à estranheza e “troca” ou “mistura” de gênero. O branco está ligado à identidade agênero. E o verde representa o gênero não binário. Vale ressaltar que o movimento queer não separa ou anula outras lutas, pelo contrário, é uma voz de levante que une e resiste ao lado.

Qual é a diferença entre queer e não binário?

A palavra queer é um “termo guarda-chuva”, isto é, abarca vários conceitos e identidades de gênero. Em resumo, é apropriado por pessoas que não se identificam com os padrões socialmente estabelecidos. Já a não binaridade está no campo da identidade de gênero: é um termo usado por quem não se identifica como homem ou mulher nos moldes convencionais. É possível ser queer e não binário ao mesmo tempo, porém o processo de autoconhecimento envolve questões diferentes.

O que significa ser queer?

Para Bruno Andrade, “queer representa nitidamente a diferença que não quer ser enquadrada, tolerada ou assimilada. Uma existência queerizada é sinônimo de se colocar contra qualquer tipo de normalização, independente de sua origem”.

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Em corcordância, para Lívia Rodrigues, “a resistência está em sair do sentido pejorativo e ser levada para um sentido positivo, de resistência, além disso, envolve pessoas e grupos dispostos a romper com a heteronormatividade e com o estereótipo de homossexual padrão impostos pela sociedade”. Assim, “identificar-se como queer é resistir à dominação heterossexual posta de forma visível ou invisível, conquistando a marcação de um território que não nos pertence cultural e historicamente”.

Faz sentido, para você, se identificar como uma pessoa queer?

A existência é particular e complexa, mas alguns pontos podem gerar identificação de grupo entre diferentes pessoas. Será que os seus questionamentos estão relacionados ao movimento queer? Abaixo, confira algumas reflexões pertinentes para o processo de autoconhecimento:

  • Falta de identificação com os padrões cis-heteronormativos.
  • Reconhecimento pessoal no movimento LGBTQIA+, que foge aos padões.
  • Resiste às expectativas sociais no que diz respeito à sexualidade e orientação sexual.

Procure conhecer o movimento e ler sobre o assunto. Para finalizar, Soleil deixa uma reflexão: “ser queer é uma possibilidade de abertura, uma zona de múltiplas experiências de ser um corpo fora das obrigações sociais”. Enfim, ser queer vai além da orientação sexual e da identidade de gênero, é um posicionamento político e revolucionário.

A vivência queer que irradia resistência

Sol passou por um processo de descoberta e (re)conhecimento pessoal para se identificar como queer. Ela relata: “em 2021, comecei a ter meus questionamentos, não me sentia uma pessoa cisgênero. No meu processo de autoidentificação, comecei a entender o que era ser uma pessoa queer. Não sou heterossexual, não sou um homem, não sou uma mulher também, estou no meio e fora do espectro. Para mim, agora, ser queer é ser esse negócio estranho, na denotação ‘estranha’ da palavra, mas não pejorativa”.

Em seu processo de identificação, a estudante de psicologia destaca algo essencial: “ninguém pode olhar para você e dizer que não é queer, se você se identifica, você é, abrace isso. A gente bate no peito e fala: sou! Olha no olho do outro e fala: sou e você me respeite”.

5 pessoas famosas da resistência queer

A participação de famosos no movimento de resistência queer traz visibilidade para a identidade queerizada. Assim, o assunto ganha destaque na mídia, outras pessoas se sentem representadas, pertencentes, além de motivadas para assumir quem realmente são. Abaixo, conheça alguns famosos que se declararam queer:

Alyson Stoner

Em 2018, Alyson Stoner, a estrela de Camp Rock, declarou em uma entrevista à Teen Vogue: “eu, Alyson, sou atraída por homens, mulheres e pessoas que se identificam de outras formas”. Nas redes sociais, ela mostra um pouco da sua vida pessoal e profissional, além de falar sobre política e resistência, como em um post sobre o mês do orgulho LGBTQIA+: “Oi. Queer não tem um único visual, corpo ou nome. Então, vamos lembrar que todas as versões de queer e LGBT+ são válidas este mês e sempre, obrigada”.

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Liniker

Transcendendo a binariedade dos pronomes ‘a’ ou ‘e’, Liniker afirmou ao G1: O que eu sei é que eu sou bicha, preta, pobre e estou aí, batalhando por um povo”. Em sua existência, performance e posicionamento, ela bate de frente e questiona os tradicionais papéis de gênero esstabelecidos pela sociedade. Inclusive, em 2022, Liniker se tornou a primeira artista transgênero brasileira a vencer um Grammy Latino. A conquista é histórica.

Rina Sawayama

Rina Sawayama possui um grande envolvimento com as causas do movimento LGBTQIA+, inclusive, celebrou a comunidade com as músicas Chosen Family e This Hell. A cantora declarou para o Gay Times: “eu entendo que quando você está com uma gravadora ou editora é difícil resistir a essas pessoas (se referindo aos homens brancos heterossexuais e suas normas), mas como mulheres, e especialmente como pessoas queers, precisamos dizer não às coisas e ser ouvidas”.

Elizabeth Corrigan

Conhecida por sua participação em The Bachelor, Elizabeth Corrigan declarou em post na rede social: “é importante para mim, hoje, compartilhar com todos vocês que eu sou queer. Mais especificamente, eu sou, sempre fui, e sempre serei bissexual. Se você me conhece pessoalmente provavelmente sabe disso. Sempre que conto essa informação para alguém novo, sinto medo. Medo de que isso acabe com uma transação comercial, medo de deixar alguém desconfortável, medo de ser banido da minha família etc. Porém, para mim, o mais importante no final do dia – é ser eu. Autêntica. Genuína. Cru. Então, talvez uma pessoa se sinta menos sozinha. Se você for essa pessoa, eu te entendo. Estou aqui, responderei. Você não está sozinha. Espero que um dia o medo se transforme em Orgulho”.

Miley Cyrus

Miley Cyrus declarou à Vanity Fair: “uma grande parte do meu orgulho e da minha identidade é ser uma pessoa queer”. A cantora é a fundadora de uma instituição que, desde 2015, apoia jovens LGBTQIA+ sem-teto. Atualmente, ela está em um relacionamento ‘heterossexual’ (casada com um homem), entretanto, faz questão de afirmar que não se sente pertencente ao padrão heteronormativo.

Ser estranho pode ser o que você tem de mais precioso. A normalidade precisa ser questionada, e isso só é possível quando pessoas estão dispostas a desestruturar padrões para reestruturar uma sociedade mais plural, comunitária e afetiva. Os livros LGBT são ótimos companheiros no processo de autoconhecimento, além de ampliarem horizontes para novas vivências. Leia, converse, busque e orgulhe-se!

Redatora, pesquisadora feminista e futura psicóloga. Gosta de falar de coisa que mexe com a gente e de mexer com gente. Apaixonada pela escrita e pelas diferentes formas de existência. Busca viver e promover a autenticidade de ser.