Bem-estar

Relacionamento abusivo: quando o controle é disfarçado de amor

Dicas de Mulher

Atualizado em 14.04.23

Em tempos de amores líquidos, entrar num relacionamento talvez seja fácil, dada a quantidade de (plata)formas existentes para conhecer pessoas novas. Porém, dependendo da dinâmica do vínculo, mantê-lo pode ser desgastante e até danoso à saúde. É o caso de um relacionamento abusivo, cujos sinais se manifestam inicialmente de maneira sutil, mas que a longo prazo pode custar a vida da vítima.

“Quando falamos deste assunto, geralmente pensamos em relações amorosas, mas, quero que pense que pode acontecer entre pais e filhos, familiares, colegas de trabalho e também nos círculos de amizade. Enfim, se houver relação, pode haver abuso”, esclarece a psicóloga clínica Fabiana Antonelli, em entrevista ao Dicas de Mulher.

A seguir, veja como funciona a dinâmica de uma relação abusiva, suas características, quais são os tipos de violência, como identificar se o seu relacionamento amoroso é tóxico e como sair dele e orientações para buscar ajuda.

Tipos de violência

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Os atos de violência não se limitam apenas a agressões físicas, podendo ser tecnológico, financeiro, patrimonial, sexual, psicológico ou emocional. Acompanhe a explicação da psicóloga:

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Violência física

Mais conhecido pelas pessoas, o abuso físico muitas vezes é considerado apenas se a pessoa apanhou do outro. Entretanto, a psicóloga esclarece que é considerado abuso se o outro te “empurrou, beliscou, pegou com força, arrastou, colocou para fora do carro, cuspiu, se bate, soca, chuta porta, atira objetos, quebra objetos e móveis, dirige em alta velocidade quando contrariado ou depois de uma discussão”.

Vale lembrar que o abuso sexual não é associado apenas ao estupro, ele também pode ser caracterizado “quando uma pessoa é coagida ou obrigada a fazer algo contra sua vontade através de chantagem, mentira, ameaça ou força física”. Um exemplo deste tipo de abuso são frases como “toda mulher gosta disso, só você não faz”, “se você me ama de verdade, faz isso por mim”.

Violência moral

Há também violências morais, muitas vezes não vistas como importantes, mas que adoecem a vítima ao longo do tempo. Os principais tipos dentro dessa violência são o abuso tecnológico, patrimonial, financeiro e psicológico/emocional.

O abuso tecnológico “acontece com o controle velado das redes sociais, por meio de postagens, comentários, curtidas, mensagens, seguidores, tentativa de obter senhas, instalação de câmeras de segurança sem o conhecimento do outro, monitoramento do celular ou computador”. Para além, a “divulgação indevida de conteúdos constrangedores e/ou íntimos sem o consentimento da vítima” também é considerado violência.

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O abuso patrimonial caracteriza qualquer tipo de conduta que leva a destruição parcial ou total de objetos pessoais. Segundo a psicóloga, essa situação normalmente acontece em um acesso de raiva, na qual “a vítima se sente culpada por ter provocado isso no outro”. Na violência patrimonial acontecem situações como “ser colocado para fora de casa, impedido de usar seus bens, esconder, destruir, doar objetos pessoais, roupas ou documentos. Vale lembrar dos celulares destruídos ou atirados contra o chão durante uma briga”.

Já o abuso financeiro acontece quando “a vítima se sente presa na relação por ser financeiramente dependentes do parceiro”. Além disso, “presentes e dinheiro após uma briga ou rompimento, controle de gastos e conta bancária, cancelamento de cartão, brigas quando o parceiro recebe uma promoção e até mesmo provocar a demissão em casos extremos” são outros exemplos de abuso financeiro.

Por fim, o abuso psicológico ou emocional muitas vezes “dá cartão verde para os outros abusos acontecerem”. Nele, recursos como “xingamento, ciúmes, controle, posse, mentira, manipulação, chantagem, medo, humilhação, instabilidade excessiva na relação, traições e tratamento de silêncio são utilizados para a vítima ‘pise em ovos’ na relação”. Pensamentos como ‘é o jeito dele’, ‘eu que provoquei’, ‘eu não faço nada certo’ e ‘falei na hora errada’ são comuns.

Características de um relacionamento abusivo

A psicóloga explica que a principal característica de um relacionamento abusivo é a “vítima se sentir inferior ao abusador, normalizando o comportamento abusivo”. Os principais recursos para isso acontecer são:

  • Falta de apoio: a pessoa abusiva jamais estimula a vítima a nada. Ao contrário, a menospreza, a diminui e a subestima.
  • Críticas disfarçadas: apresentadas num tom suave, sutil a ponto de deixar o outro confuso, as críticas disfarçadas acometem aos poucos a autoestima da vítima. Normalmente são mascaradas por piadas com críticas severas embutidas e carregam machismo nas entrelinhas.
  • Falta de elogio e reconhecimento: independentemente das conquistas da vítima ou mesmo de algum esforço dela para com o bem-estar neste vínculo, o abusador comporta-se como se nada daquilo fosse importante. A longo prazo, isso altera a autoimagem que a vítima tem de si, distorcendo a forma como enxerga as situações e a si mesma no relacionamento.
  • Ciúmes e controle: o ciúme em questão não é normal, sadio. Ao contrário, se trata de posse, de controle. Muitas vezes pode significar isolamento por parte da vítima, estado de alerta sem sentido, gerado pela obsessão do outro.
  • Ameaças: as ameaças podem se apresentar de maneiras distintas, desde chantagens emocionais, caso da vítima não ceder ao abusador, até mesmo danos físicos, como quando o parceiro usa frases do tipo ‘se não é minha/meu, não será de mais ninguém’.
  • Falta de diálogo e comunicação tóxica: no caso de uma relação tóxica, sequer há diálogo. A vítima sempre se vê pisando em ovos com o outro, tendo de ser cauteloso na forma de expressar o que está sentindo, o que a incomoda. É normal em relações abusivas que o abusador faça ‘tratamentos de silêncio’ como forma de punição.
  • Ansiedade e medo: se vínculo é tóxico, a longo prazo ele naturalmente vai minar a autoconfiança, autoestima e conforto da vítima. Como não se vê num espaço seguro para falar e existir, aos poucos a ansiedade e o receio de ‘gerar’ novos conflitos no relacionamento vão tomando conta.

Como saber se meu relacionamento é abusivo

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Conhecer a dinâmica e os sinais de uma relação que não é saudável torna mais fácil para a vítima de um relacionamento abusivo reconhecer a própria situação. Para isso, “é fundamental prestar atenção em como você se sente quando está perto ou longe do outro. É importante também conversar com amigos, familiares ou pessoas de sua convivência, porque, com o passar do tempo, o abusado vai ficando enfraquecido em sua autoestima, autoconsciência, autoimagem, e acaba acreditando que são atitudes dele que desencadeiam essa série de comportamentos no outro”.

Muitas pacientes só se enxergam dentro de uma relação abusiva quando a procuram e, ao contarem o que estão passando, vão percebendo o que a dinâmica do relacionamento lhes têm causado. A especialista indica dois pontos determinantes para refletir sobre a questão: “me sinto diminuída? me sinto com medo? Quando consideramos que estamos com alguém para dividir a vida, somar alegrias, compartilhar conquistas, consideramos, então, que um relacionamento deve ser leve; um lugar em que eu posso ser quem de verdade eu sou”.

Como sair de um relacionamento abusivo

Para conseguir sair de um relacionamento abusivo, primeiramente é preciso reconhecê-lo. A partir daí, buscar ajuda profissional a fim de recuperar a saúde mental é essencial. A seguir, entenda mais sobre a importância de cada etapa e confira os conselhos dados pela especialista:

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  • Passo 1 — Busque ajuda psicológica: importante “para se fortalecer, se reconstruir e então sair do relacionamento”, porque, “se a vítima está enfraquecida emocionalmente, o abusador sempre vai convencê-la que, apesar de tudo, ele é a melhor opção”.
  • Passo 2 — Tenha um fonte de renda para libertar-se: “em casos de dependência financeira, procure ganhar dinheiro, pois este é um fator determinante que segura muitos relacionamentos, por mais abusivos que sejam”.
  • Passo 3 — Planeje a quebra de vínculo com o abusador: “é preciso determinação. Portanto, trace um plano, se dê um prazo, mas não tente mudar o abusador”.
  • Passo 4 — O abusador não é sua responsabilidade: “ele vai te convencer de que o erro é seu. Vale ressaltar que o abusador nunca procura ajuda. Afinal de contas, na cabeça dele, o problema é você. É fato que, o abusador, em algum momento, também foi abusado, mas, não é papel da vítima cuidar, tratar ou ajudar”.
  • Passo 5 — Tenha uma rede ampla de apoio: “procure seus amigos, faça terapia e procure uma delegacia se for necessário”.

Procure ajuda

A rede de apoio vai além da família e amigos. É possível pedir ajuda nos seguintes canais:

  • Central de Atendimento à Mulher (180): faz registro de denúncias, orienta e encaminha casos de violência para os órgãos competentes e também presta informações acerca de leis e campanhas que respaldam a vítima.
  • Mapa do Acolhimento: é uma rede virtual feminista, formada por psicólogas e advogadas que prestam apoio voluntário às vítimas de relacionamentos abusivos.
  • Delegacia da Mulher: na qual a vítima pode-se registrar um Boletim de Ocorrência, seja pessoalmente, na unidade mais próxima ou mesmo online.
  • Consultoria especializada Não era amor: de maneira remota, auxilia vítimas de relações abusivas a saírem da situação e lhes presta atendimento psicológico.
  • Disque 190 (Polícia Militar): para casos mais graves, de agressão física, ameaça à integridade física ou patrimonial.
  • No Sistema Único de Saúde (SUS): apoio psicológico em postos de saúde ou em ONGs especializadas neste tipo de atendimento.

E para quem percebe algo estranho num relacionamento alheio, “busque chamar a vítima para uma conversa, mostre com cuidado os fatos ou encaminhe para uma psicoterapia. Neste momento de fragilidade, todo apoio é bem-vindo”. Também compartilhe esta matéria do Dicas de Mulher para chegar a mais pessoas que possam estar vivenciando um relacionamento abusivo e conscientizá-las sobre a importância do tema.

Formada em Jornalismo, é apaixonada por livros e boas histórias (ficcionais ou não). Trabalha com conteúdo e fotografia, e nas horas vagas gosta de ler, escrever e pedalar.