Sociedade

A voz das travestis (elas/delas) na luta pela visibilidade e representatividade

Dicas de Mulher

Atualizado em 16.10.23
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Sempre no feminino, a travesti. Certamente você já ouviu essa palavra, mas sabe o que realmente significa? Sabe qual a diferença entre travesti e mulher trans? Nesta matéria, saiba mais sobre esse termo, bem como a importância da representatividade nos dia de hoje.

O que é uma pessoa travesti?

O termo travesti é utilizado e reivindicado pelas pessoas que tiveram o gênero masculino imposto quando nasceram determinado pelo seu sexo biológico, mas que se identificam com o espectro do feminino. Dessa forma, o pronome de tratamento de uma pessoa travesti é sempre ELA. Travesti, portanto, é uma identidade de gênero-fluido que não se limita ao espectro binário de gênero (homem e mulher). Um exemplo disso é a fala de Linn da Quebrada, durante o Big Brother Brasil de 2022: “não sou homem, não sou mulher. Sou travesti”.

A psicóloga Letícia Pavani (CRP: 08/31511) explica que “o gênero é permeado por elementos biológicos, mas, sobretudo, sociais. Assim, a criança pequena investiga a diferença dos sexos a partir de seu grupo primário. Ou seja, não o fará com base no órgão sexual, mas por meio de alguns signos e significados, como vestimentas, papeis e funções sociais. Por isso, a criança se identifica com o gênero que lhe foi atribuído por outros, a partir de seus atributos físicos, ou não. A isto, dá-se o nome de identidade de gênero”.

De onde veio o termo travesti?

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Travesti é um termo que surgiu do verbo ‘travestir’. Pela definição do dicionário Aurélio, significa “vestir com um disfarce, especialmente vestir com roupas do sexo oposto” e no dicionário Priberam, “transformar ou transformar-se de maneira a adotar o vestuário, os hábitos sociais e comportamentos usuais do sexo oposto”.

Travesti é uma identidade de gênero típica da América Latina e a apropriação do termo tem sido muito importante nos movimentos políticos em busca do direitos para essa população. O termo era usado de forma preconceituosa, mas as pessoas travestis começaram a se identificar e se definir assim, então a palavra adquiriu um novo sentido.

Atualmente, o termo serve como expressão de uma identidade de gênero que luta por direitos e deve ser respeitada como qualquer outra. Rafaela Beraldo Modé (CRP 06/142235) defende que “assumir-se travesti é também um ato político, um ato de valorização de todas aquelas que vieram antes, que fizeram história, que lutaram e abriram caminhos para as pessoas trans da atualidade”.

Renata Carvalho, atriz, diretora, dramaturga e transpóloga, fundadora do MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans), do “Manifesto Representatividade Trans” e do Coletivo T, na sua obra “Manifesto Transpofágico”, de 2019, escreve:

“O peso dado a esta palavra: Travesti. A este corpo Travesti.
Ela, a palavra, é repetida diversas vezes.
É preciso cansar, desgastá-la.
É preciso falar sobre sem sussurrar, sem cochichar, sem vergonha.
Vamos disseca-la. É preciso.
TRAVESTI. TRAVESTI. TRAVESTI.
Uma transfofagia da transpologia de uma transpóloga.
Ela digere. Se alimenta.
Precisamos alargar nosso conceito de humanidade. Ele não nos cabe, não nos serve”

Transvestigênere

Esse termo foi cunhado por Indianarae Siqueira e Erika Hilton, podendo ser definido como todas identidades de travestis, mulheres e homens trans, pessoas trans não binárias, enfim, pessoas que fogem do CIStema (sistema cisgênero e heteronormativo).

A criação do conceito surgiu da necessidade de tentar abarcar toda a população que não se identifica com a cisgeneridade e com o sistema binário de gênero. Modé sintetiza, dizendo que “a proposta é a criação de um termo mais neutro que possa juntar as identidades travesti e transexual e, de uma certa forma, agrupar as pessoas não-binárias.

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Como você viu, para muitas pessoas travestis, a identidade de gênero pode ser fluida e isso pode causar um pouco de confusão. Por isso, continue lendo a matéria para entender as diferenças entre uma pessoa travesti e uma pessoa trans.

Qual é a diferença entre uma pessoa travesti e pessoa trans

Primeiramente, uma travesti não é um estigma, nem um homem que se veste de mulher, muto menos um ‘traveco’ (palavra extremamente ofensiva). Diferente do que as pessoas erroneamente pensam, a diferença entre uma pessoa trans e uma travesti não está relacionada aos procedimentos médicos. Essa visão só reforça o preconceito com a população LGBTQIAPN+.

Tanto as travestis quanto as pessoas trans não se identificam com o gênero imposto ao nascerem. De acordo com Erika Hilton, primeira vereadora transvestigênere da cidade de São Paulo, a diferença entre os termos ocorre em uma ordem semântica e por um uso estigmatizado da ciência médica que classificava as pessoas trans pelo CID-10 (Código Internacional de Doenças).

O CID-11, que passou a valer em 2022, removeu o ‘transtorno de identidade de gênero’ da ala de doenças mentais. Com o CID-11, a OMS (Organização Mundial da Saúde) adicionou um novo capítulo ao documento, destinado à saúde sexual, no qual está incluída a transexualidade. A psicóloga Letícia Pavani também comentou sobre esse tema, “com a retirada da transexualidade da categoria de transtornos mentais, permite-se o início de uma libertação destes grupos e do diálogo com a sociedade”. Mesmo assim, a luta conta continua, pois ainda há muito preconceito a ser combatido.

Assim, atualmente existem três grandes diferenças entre esses dois termos: 1) como cada pessoa se identifica; 2) enquanto as pessoas trans, em geral, se identificam com o espectro binário de gênero, uma pessoa travesti não necessariamente se identifica nem como homem ou mulher; 3) a apropriação política para ressignificar o termo travesti, que ainda é muito estigmatizado.

Mas, se você ficar na dúvida, pergunte. Tenha sempre respeito e empatia para perguntar ‘quais pronomes devo usar?’.

Autoidentificação enquanto processo de acolhimento

A autoidentificação é um processo extremamente importante, pois o principal acolhimento é a própria aceitação. Muitas vezes surgem questionamentos de como é possível saber se uma pessoa é travesti, mas dar rótulos não é uma coisa que terceiros devem fazer. De acordo com a psicóloga Rafaela Modé, “o que determina esse ponto é a autoidentificação, ou seja o indivíduo é quem decide como ele se identifica”.

Ela complementa, explicando que “não importa a forma como a pessoa se comporta ou se veste, o que importa é como ela de autoidentifica. Isso é um exercício de liberdade pessoal, que deve ser respeitado por todas as pessoas”. Vale ressaltar que o exercício de autoidentificação busca o entendimento de si e de formas de ser e estar no mundo, então respeite a própria jornada e a dos outros.

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A importância da representatividade travesti

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Idealizadora do projeto PreparaNEM e ativista LGBTQIAPN+, Indianarae Siqueira, em entrevista ao Estúdio Móvel, defende a importância da entrada das travestis e pessoas trans nas universidades, não apenas como forma de ascensão social, mas também de acesso e representatividade da população travesti e trans. Outra figura muito importante foi a travesti Luana Muniz, responsável pelo programa Damas da Prefeitura, que capacita travestis e transexuais para o mercado de trabalho no Rio de Janeiro.

Para Indianarae, as travestis são tratadas pelo estigma de ‘puta’ e são invisíveis para a sociedade porque são obrigadas a transitarem por lugares invisíveis: as ruas e esquinas da madrugada, os pontos de prostituição. Daí a importância do acesso às universidades, não para ‘salvar’ as travestis da prostituição, mas para dar outras alternativas profissionais.

A ativista complementa, explicando que “o acesso à universidade é essencial porque possibilita que as travestis e as pessoas trans sejam representantes em autores de sua própria história”, por exemplo, para não serem representados por pessoas cis em alguma novela ou filme. Da mesma forma que não é justo que pessoas brancas representem pessoas de outras etnias, não é justo que pessoas cis representem travestis e pessoas trans.

É muito importante que as pessoas travestis apareçam nas mídias, pois apenas por meio do acesso e da inserção social que se pode quebrar as injustiças geradas pelo preconceito e discriminação. É também ao ver o outro que possível se entender melhor, colaborando no processo de autoidentificação.

Para a psicóloga Rafaela Modé, “a representatividade de pessoas trans nas mídias exerce o importante papel de ‘desestigmatizar’ e também de trazer o olhar da sociedade para essa população que vive na marginalidade na grande maioria”.

10 pessoas travestis para seguir

A mídia tem um papel crucial na formação da opinião pública e na construção de estereótipos. Assim, é essencial dar a voz para as pessoas travestis compartilharem suas experiências. Acompanhe a lista de pessoas travestis para acompanhar nas redes:

1. Indianarae Siqueira

Um dos grandes nomes das lideranças travestis, Indianarae Siqueira é fundadora do projeto PreparaNEM, de capacitação de jovens trans e travesti para os vestibulares e ENEM. Também é idealizadora do CasaNem, lugar de acolhimento à população LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade social. Além disso, é ativista e política. Junto a Erika Hilton, cunhou o termo Transvestigênere.

2. Erika Hilton

Nas eleições de 2020, Erika Hilton foi a vereadora mais votada do país. Ela é uma ativista dos direitos negros e LGBTQIAPN+, além de política. Também luta para combater a fome, pelo direito à moradia e à educação. Nas redes sociais, Erika divulga informações e promove um espaço seguro para diálogo.

3. Amara Moira

Travesti, professora, colunista, escritora e ativista. Amara Moira é doutora em teoria literária pela UNICAMP e foi a primeira mulher trans a obter o título nessa universidade usando seu nome social. Em seu perfil, é possível encontrar as discussões LGBTQIAPN+ que transitam no cotidiano.

4. Linn da Quebrada

Ficou mais conhecida ao entrar para o BBB22, mas Linn da Quebrada já tinha uma carreira artística muito antes do programa televisivo. Sua participação no reality foi muito importante para estimular a sociedade a debater as questões LGBTQIAPN+, a ouvir e a respeitar o direito de ser, de existir e de se expressar.

5. Rebecca Gaia

Youtuber e influencer, Rebecca Gaia faz vídeos contando sobre sua vida, como é ser travesti no seu cotidiano. Ela também responde diversas questões que os seguidores perguntam, como a diferença entre uma mulher trans e uma travesti. Ela também cria bastante conteúdo reflexivo, principalmente debates sobre termos e dificuldades na luta por direitos.

6. Benny Briolly

Briolly é a primeira travesti eleita no estado do Rio de Janeiro e foi a vereadora mais votada de Niterói. Ela e ativista dos direitos LGBTQIAPN+, discute questões como racismo, maternidade e paternidade de pessoas trans. Além disso, ela compartilha um pouco da sua realidade enquanto divulga seus projetos.

7. Keila Simpson

Keila Simpson é a atual presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e ativista dos direitos da população travesti e trans. Ela também produz bastante debate a cerca de diversos temas que englobam o universo travesti.

8. Alina Durso

O ‘diário de umA travesti’ se trata de um perfil no instagram sobre a vida da travesti Alina Durso. Ela aborda sua assexualidade, bem como seu cotidiano. É uma boa página para compreender melhor sobre esse espectro da sexualidade.

9. Alicie Bratz

Diretamente do sertão, Alicie Bratz compartilha seu cotidiano enquanto travesti. Além de conversar com o seu público, ela gosta de mostrar sua rotina de treinos, alimentação e viagens. Um conteúdo interessante, porque foge dos estereótipos da travesti.

10. Gabrielle Weber

E por falar em quebrar estigma, Gabrielle Weber é uma travesti 1ue divulga ciência e muita informação interessante de forma divertida. Ela também compartilha um pouco do seu cotidiano, bem como todas as questões acerca de sua vida.

A inclusão e representatividade das travestis é uma pauta urgente e necessária para garantir direitos e qualidade de vida. As histórias de resistência a cima mostram que essa luta não pode parar por aí. Por isso, continue pesquisando, saiba mais sobre o que é ser transgênero.

Graduada em Filosofia e Letras Português/Francês. Uma capricorniana um tanto perfeccionista, apaixonada por poesia e cinema. Estuda Drummond e Lukács.